Reflexões (sérias) sobre o riso

Começarei com uma afirmação quase acaciana, de tão óbvia: se alguns animais choram, o homem, que antes de ser racional é animal também, é o único que sabe rir.

Bastaria isso para que o riso não seja considerado uma questão menor. Não é. Sinal de alegria, sintoma de contentamento, indício de júbilo, o riso é também uma forma muito humana de reação ao cômico, ao ridículo, ao engraçado, ao grotesco.

A verdade é que o mundo não é apenas, como pensam os pessimistas, um infinito vale de lágrimas. É também, palco, cenário, picadeiro de circo onde o riso se alastra, irreprimível, incontrolável. Diziam os antigos romanos que “ridendo castigat mores”. Mas a importância do riso não reside apenas na sua intrínseca capacidade de corrigir, castigar ou morigerar os costumes. Decorre, sobretudo, do fato de ser uma afirmação da humanidade que habita o cerne da consciência do homem.

Face da moeda existencial que tem do outro lado o pranto, o riso se explica e justifica na exata medida em que coexiste com o seu contrário, com a sua antítese – as lágrimas.

A literatura universal tem sido – e continua sendo – o palco em que o riso assume e desempenha um papel preponderante. Ele é o adubo que tem fecundado e o combustível que tem movido alguns dos espíritos mais criativos do mundo. Sobretudo na área do romance e do teatro.

Aristófanes, na Grécia Clássica, e Terêncio, na Roma Imperial, são os precursores de um festival de riso que varre o mundo há dois milênios e meio. É o caso de Lope de Vega e Shakespeare, Gil Vicente e Rabelais, Quevedo e Boccacio, Cervantes e Molière, Dickens e Voltaire,Sterne e Marivaux e “tutti quanti”. Até chegarmos ao nosso bom Nelson Rodrigues, que soube fazer rir (e chorar) como ninguém. Sempre com a mesma facilidade – e o mesmo encanto.

Há várias espécies de riso. Que pode manifestar-se com diversos graus de intensidade. Quase se poderia falar numa escala sonora “risológica”, semelhante ao espectro cromático, que vai do riso brando e quase inaudível de alguns santos, até a gargalhada esfuziante de vida, colossal, homérica, com que certos indivíduos parecem inundar tudo à sua volta. É o caso de Leonardo da Vinci, cuja risada, segundo os seus biógrafos, chegava a estremecer os mármores da capela Sistina, no Vaticano.

A rigor, o riso começa pelo sorriso, seu embrião. E o espécime paradigmático do sorriso encontra-se no Museu do Louvre: a Mona Lisa – ou La Gioconda – davinciana.

Há diversas qualidades de riso. Há o riso alvar dos imbecis como Tartufo, “monsieur” Homais, Bouvard, Pécouchet e o conselheiro Acácio, e o riso grave – ou agudo – dos cientistas e dos sábios de todos os calibres. Há riso doce das crianças e dos anciãos, e o riso terno dos apaixonados, o riso amarelo dos hipócritas e hipocondríacos, e o riso falso da intérmina fauna dos velhacos e bigorrilhas.

Carlyle falou do riso claro dos heróis e Voltaire e Balzac, com palavras idênticas (plágio? Não: coincidência) se referiram ao riso lúbrico das coristas do “Moulin Rouge”. O nosso Machado, entre tantos, não perdoou o riso melífluo dos sicofantas. Camilo, com a facúndia típica, não esqueceu o riso amargo e adocicado (?) da intérmina legião de patifes, canalhas, biltres, pulhas e sevandijas. Nelson Rodrigues, entre muitos, lembrou o riso fúnebre do coveiro de olhar gaiato cavando com a pá mais uma cova. Como exemplificação, creio que basta.

O riso pode ser curto, fino, frouxo, medido, econômico. Da mesma forma que pode ser grosso, desatado, torrencial, histérico.

Mas atenção: “Est modus in rebus”. Se é importante rir, é bom que o riso tenha moderação, equilíbrio. Ensina a sabedoria popular que “muito riso, pouco siso”. E ensina bem. Seja como for, o riso é necessário, salutar. Lava a alma, oxigena os pulmões, apura os batimentos cardíacos, exercita os músculos faciais e, em momentos de eleição, chega a iluminar os olhos de quem o contempla. Por isso, rir é preciso.

Como dizia Rabelais: “mieux est de ris que de larmes écrire/pour ce que rire est le prôpre de l’homme”. Sim, é melhor escrever sobre risos do que sobre lágrimas, porque o riso é próprio do homem. É mesmo.

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