Rapsódia italiana

Aqui, do alto,
as montanhas são brancas.
A Suíça parece o território
sempiterno do branco.
Vistos das alturas,
todos os males,
todas as tristezas,
todas as misérias dos homens,
diluem-se no branco.
Os olhos inundam-se de branco.
As almas embriagam-se de branco.
E até o próprio Deus
parece estar em toda parte,
presença branca.

Veneza

Turista casual, o tempo
viaja em gôndolas oníricas.
Bandolins doces
acariciam a epiderme da alma.
Na ?Piazza?, a beleza pura
explode em estilhaços
de luz e pombas brancas…

Ponte de Rialto

Quais cisnes coloridos,
as gôndolas passam lentamente
com seus mastros invisíveis.
E no alto dos mastros
as flâmulas transformam-se
em mágicas canções napolitanas.

Murano

No coração de fogo do cristal
o tempo aprisionado
chora
as reverberações
do arco-íris.

Voando de Veneza para Roma

Vamos na rota dos pássaros.
Entre novelos de nuvens
tão brancas como algodão,
entre sonhos e esperanças
que alguns sonham e outros não,
vamos na rota dos pássaros,
como se fosse verão.
Sem astrolábios, sem bússolas,
seguindo o gesto da mão,
nós demandamos o sul,
a perfeita direção,
sentindo toda a verdade
daquilo que as aves são:
semeadoras de vôos
em tempo de solidão,
bicos famintos de espaço,
pura saudade do chão.
Voamos dentro do vôo,
sem medo, sem aflição,
pois estamos bem seguros
no ventre do (g)avião.
Vamos na rota dos pássaros,
nas asas do coração.

Roma

A ?Polaroid?do olhar embriaga-se
de luz e cor e tempo.
A objetiva exata assimila tudo,
do Coliseu à via Apia Antica,
do Altare della Pátria ao Quirinale.
Fixa todas as ?vias?,
da Veneto à del Corso e del Tritone.
Bebe todas as ?piazzi?: a di Spagna,
a di Venetia, a di Navona.
Capta, com a pupila magnética,
o perfil e a alma de igrejas,
catedrais, fontes, palácios,
ogivas, pontes, capitéis,
arcos do triunfo (ou da derrota?),
catacumbas, ruínas
que as mandíbulas do tempo
mastigam sem cessar.
A máquina fotográfica do olhar
grava tudo. Bebo o néctar
da beleza inefável em todas as taças.

As fontes das quatro estações

Na manhã de cetim, as fontes puras
(gargantas de cristal, lábios de mármore)
falam e choram, cantam e murmuram.
E a sua voz estranha, liquefeita,
de música de prata, transparente,
sacia a minha sede milenar
da linfa da beleza que desliza
num arroio antiqüíssimo, secreto.

O Coliseu

O câncer patético do tempo
roeu todas as pedras.
No espaço intemporal
há rugidos de leões famintos
e gritos de cristãos despedaçados,
mortos
que verdadeiramente
não morreram.

Fontana di Trevi

Nem sempre evita o azar
quem anda por Ceca e Meca.
Fui à Fontana di Trevi,
mas a fonte estava seca.
Embora sua beleza,
passado feito futuro,
fosse a mesma, com certeza,
de branco mármore puro.
Assim, as três moedinhas,
n?água não pude jogar,
como manda a tradição,
para a Roma retornar.
Assim, qual a solução?
É regressar, regressar,
com três moedas na mão…

Na Capela Sistina

São Leonardo,
rogai por nós!

Capri

Azul. Azul escuro.
E claro. Azul-espanto.
Na bela Grota Azzurra
(azul) a emoção
esmaga. E é azul
também, de êxtase o pranto
que cai no chão.

Anacapri

Implacável, arde
um girassol ígneo
no jardim da tarde.

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