Renate Müller era bonita. Não fazia meu tipo, mas os nazistas achavam que além de bonita representava o ideal de beleza ariana.
Para muitos, isto podia não ser nada, mas para os nazistas era o mais alto grau na escala humana, uma vez que o resto não ariano da humanidade era classificado pelos ideólogos nazistas de elo perdido entre eles e os macacos.
Portanto, quando os nazistas bateram o olho em Renate Müller e viram nela a representação feminina do ideal ariano, era como encontrassem algo entre divindade e sacerdotisa para o altar da nova raça – do III Reich.
E não só: sacerdotisa que cantava, atuava no cinema e admirada por uma multidão de homens e mulheres encantados com os dotes da moça.
A dona era mais popular e conceituada na Alemanha que Marlene Dietrich. Estava no topo até o dia 7 de outubro de 1937, quando saiu por uma janela de um prédio em Berlim e se estatelou no chão, morrendo e deixando o mundo germânico de boca aberta. Pior, sem saber o que aconteceu.
As versões para explicar a morte da moça eram desencontradas e as autoridades não estavam interessadas em ir fundo no caso.
Depois do incidente, quase não se falou mais em Renate Müller. Até porque coisas mais importantes aconteciam na Europa, como a guerra civil espanhola -que envolveu, alguns meses antes, a aviação alemã e a destruição de Guernica; depois veio a segunda guerra mundial, que produziu uma montanha de tragédias coletivas e pessoais e a morte da atriz e cantora nascida em Munique no dia 26 de abril de 1906 não passou de mais uma delas.
Em 1960, um diretor alemão, Gottfried Reinhardt, teve a ideia de produzir um filme sobre a vida de Renate Müller (Liebling der Götter, A favorita dos deuses), com Ruth Leuwerik no papel principal. Mas o filme continha equívocos e a família da cantora tentou, em vão, impedir o projeto.
E não se falou ou se falou pouco na cantora alemã que os nazistas achavam o ideal ariano de beleza feminina. No entanto, Renate seria lembrada na história do cinema, principalmente o alemão, por ser a primeira intérprete de Victor ou Vitória (Viktor und Viktoria, 1933), um dos 26 filmes que interpretou e teve remake em 1982 na última grande atuação de Julie Andrews, dirigida por seu marido Blake Edwards.
O que não deixa de ser injustiça com Renate Müller. Afinal, ela estava num patamar semelhante – no caso alemão, ainda maior – ao de Marlene Dietrich, que deu banana aos nazistas e foi para o outro lado da guerra fazer intriga contra o seu povo e campanha pelos americanos, causa que julgava patriótica e que lhe granjeou ódio eterno, embora discreto hoje em dia, em sua terra natal. Não digo que ela fez errado, apenas relato.
Renate ficou na Alemanha e se deu mal. Ela também não seguiu o exemplo de Marika Rökk, que se transformou numa Carmem Miranda nazista, meio desengonçada.
E não conseguiu como Lale Andersen, aguentar o tranco, ficar na berlinda. Lale gravou em 1939 a canção Lili Marleen, popular na guerra, tanto entre alemães como entre aliados, mas foi impedida pelos nazistas em 1942 de cantar em público por se corresponder com imigrantes judeus, que certamente queriam cair fora da Alemanha para não serem mortos.
Talvez Lale, boa cantora, tivesse a sorte de não ser o tipo de beleza considerada top de linha pelos ideólogos arianos. E ficou Renate com sua tragédia de amor e guerra, embora a trincheira fossem os estúdios de cinema, das rádios e dos discos.
Filha de Eugene Muller, historiador de arte e editor da Münchener Neueste Nachricheten, e de uma pintora, Renate cresceu em Emmering e mudou-se para Dantzig. Em 1924, a família mudou para Berlim, onde Eugene foi trabalhar no Tageblatt Berliner.
Depois de tomar aulas de canto e interpretação, em 1928 Renate foi levada ao cinema ainda mudo por Reinhold Schünzel. Ela trabalhou em Liebe im Ring, com Max Schmeling.
Mas a carreira deslanchou com o advento do cinema sonoro. Boa cantora, canções como Ich bin heut ja so glücklich no filme Die Privatsekretärin (1931) turbinaram a carreira. Depois veio Viktor und Viktoria. Renate virou estrela.
Foi aí que Hitler e sua turma entraram na história, ao achar que a dona era o ideal de beleza ariana. E, se era a representação deste ideal,, devia servir à causa, claro.
Os nazistas deviam achar que seu julgamento a respeito dos dotes físicos de Renate era o que de melhor uma garota poderia almejar naqueles tempos. Em certo aspecto, estavam certos: era mordomia garantida e muitas donas não jogam isto pela janela.
Mas, até onde se sabe, Renate refugou. Há versões de que Hitler pessoalmente tentou persuadi-la a fazer filmes de propaganda, coisa que ela não aceitou. Ao recusar a proposta de musa nazista e continuar na Alemanha, Renate teria passado da condição de candidata a sacerdotisa a suspeita vigiada pela Gestapo.
Foi o próprio Goebbels quem teria dado a ordem. Não é preciso ser gênio para concluir que ter a Gestapo nos calcanhares deixava qualquer um com os nervos à flor da pele; e foi o que teria acontecido com Renate. Ela ainda fez Togger (1937), filme de propaganda política, mas as coisas continuaram mal resolvidas, porque em seguida Renate foi morta.
A morte dela tem versões interessantes quanto à de John Kennedy, 26 anos depois. Há quem diga que a atriz sabia coisas de Hitler e ela não podia continuar solta por aí, sem fazer juramento público de fidelidade à causa.
Aí o distinto leitor pergunta: o que poderia uma atriz saber de Hitler que colocasse a vida dela em risco? Como ela não era estrategista militar, não era cientista e tampouco escrevia complexos ensaios sobre política e ideologia, a única coisa que sobra é sexo ou drogas, já que ainda não havia rock’n roll.
No campo das especulações pode entrar tudo, desde insinuações de que Hitler tinha o membro sexual muito pequeno e não sabia usar a coisa até na hora do vamos ver, ele não ia, porque a torre fálica não decolava para o combate com a mesma disposição de um Stuka da Luftwaffe.
O general SS Johannes Blaschke, que cuidada dos dentes de Hitler, revelou -por meio de anotações descobertas depois – que ele tinha mau hálito e suas gengivas eram inchadas.
Vai que Hitler tentou beijar Renate com aquele bafo de onça e ela virou a cara enojada? Tudo é possível. O certo é que ela foi pressionada e a pressão redundou em morte.
O anúncio oficial atribuiu a morte à epilepsia embora sejam raros os casos de epiléticos que morrem voando pela janela. Outra, não oficial, era a de que ela se suicidou.
Outra era a de que foi jogada pela janela por oficiais da Gestapo, que invadiram a sua casa na Düsseldorfer Strasse 37 ou na clínica em que entrou para se tratar de esgotamento nervoso.
Há um certo consenso que antes de morrer realmente ela teria sido visitada pela Gestapo, que foi lá apenas dizer que seus homens tinham descoberto um caso de Renate com um imigrante judeu; a polícia secreta queria apenas que ela acabasse aquilo para não desmoralizar de uma vez a raça ariana – e ela teria preferido a morte. Ou, se ela hesitou certamente eles decidiram por ela.
Seja qual for a verdadeira versão, o certo é que Renate Müller morreu no último salto de sua carreira. Depois de sua morte, como se tratava de atriz popular, a Gestapo espalhou que Renate era uma viciada que se entupiu de drogas -no caso, morfina – e por esta razão, veio a óbito. Muitas versões, mas uma certeza: ninguém sabe a mão que jogou Renate pela janela, mas visível ou não ela tinha a suástica no alto do braço esquerdo.