Enquanto um espetáculo ocupa o palco de um dos três auditórios do Teatro Guaíra, Neca fica de prontidão na coxia caso algo inesperado aconteça com os figurinos. Há 30 anos isso faz parte da rotina da costureira com mais tempo de casa. A precaução não é à toa: Neca já salvou muitos artistas de situações, no mínimo, incômodas.
“Uma vez a barbatana de um tchu-tchu (saia armada própria das bailarinas) se soltou no meio de uma apresentação e ficou espetando a menina. Eu fui lá e tive que arrancar a barbatana correndo”. Essa é mais uma entre as tantas histórias de quem está nos bastidores e sente a mesma ansiedade que um artista antes de subir no palco.
Como é de se imaginar o tempo que a equipe desprende exige muita dedicação e a consciência de que o tempo, nem sempre, corre a favor. “Muitas vezes a peça já está acontecendo e, na coxia, estamos terminando um figurino ou algum adereço que será utilizado na próxima cena”.
O Guaíra é como a casa de Neca Ramos Pereira. O sobrenome ela adquiriu quando casou com Ailton Garcia Pereira, há 43 anos, com quem ela divide quase tudo. Os dois tem a mesma idade, 65 anos, e há muito tempo se encontram diariamente nos corredores do teatro. Contra-regra há 35 anos, ele vai se aposentar em novembro carregado de muitas lembranças.
“O teatro é um vício. Se eu tivesse ido para outro ramo não estaria contente”, conta Aílton ou palhaço “Casquinha”. A vida dele está ligada ao circo e ao teatro desde os primeiros minutos no mundo. “Eu nasci em uma barraca de circo”. Foi lá que apareceu o Casquinha, alcunha que ele carrega até hoje. “Eu sempre trabalhei no palco, o meu negócio é esse. Mesmo estando nos bastidores, a gente recebe os aplausos com a mesma gratidão”.
Vida de circo
Dona Neca e Seu Ailton, ela costureira e ele contra-regra. Casados há 43 anos, eles dividem quase tudo, inclusive a paixão pelo teatro. |
Neca e Casquinha são acostumados com os aplausos. Para ela tudo começou quando o Circo Teatro Casquinha chegou à cidade de Lages, em Santa Catarina. Neca não resistiu: se apaixonou por Aílton e fugiu com o circo. Como fala Casquinha, no circo é assim, cada um que chega logo descobre um ofício e sobe no picadeiro. Ela se descobriu atriz, gostou da experiência e até o primeiro dos três filhos do casal veio ao mundo na barraquinha do teatro.
Os obstáculos começaram a aparecer para os dois quando as crianças cresceram e chegou a idade de ir para a escola. “Ficou muito difícil para eles, então decidimos nos fixar em algum lugar”, lembra Neca. Pouco tempo antes, o circo-teatro estava funcionando em um pavilhão de zinco em Criciúma e um vendaval acabou derrubando a estrutura e também os sonhos do casal. “Tentamos fazer um menor, mas não foi a mesma coisa. Desanimamos e resolvemos mudar de vida”, diz Casquinha, completando o motivo pela escolha de se instalar em Curitiba.
Paixão pelo ofício
Outra figura conhecida nos corredores do Guaíra é o diretor de palco Cleverson Cavalheiro. Sempre correndo de um lado ao outro, ele é responsável pelos três auditórios do teatro, o que lhe confere o tempo todo ocupado em resolver as minúcias para a montagem de um espetáculo.
Formado em artes cênicas, Cleverson começou aos 18 anos como técnico de som, passou a fazer luz, cenários e trabalhou também como contra-regra. As diferentes experiências se desdobraram em novas oportunidades de atuação que o fizeram alcançar o cargo atual, ocupado desde 1996. “Tudo o que aprendi foi dentro do teatro. Quando entrei tinha esse hábito de conhecer varias &aa,cute;reas e eu fuçava bastante”, conta.
Não importava o que teria que fazer, se fosse simplesmente jogar uma folha ou arrastar um cenário. “Eram oportunidades de trabalhar de contra-regra em alguma peça do Paulo Autran ou na peça Fedra, com a Fernanda Montenegro. Eu queria estar envolvido acompanhando as montagens”.
Qualquer que seja o espetáculo, a equipe técnica é a primeira a chegar e a última a sair, e precisa estar à disposição do tempo que exigem as diferentes montagens. É raro, como nos contou Cleverson, mas às vezes os imprevistos exigem uma ação rápida da equipe.
“Uma vez precisávamos tirar dois muros para uma mudança de cenário em uma cena. As equipes entraram e o cenário parecia estar preso, não queria sair de jeito nenhum. Precisamos abaixar a cortina e fazer uma pausa na peça pra ver o que estava acontecendo e acabamos descobrindo que estávamos fazendo um cabo de força, com os dois lados puxando a mesma corda”. Depois que passa, é mais uma história curiosa no repertório, mas na hora, diz Cleverson, o desespero toma conta.
A paixão pelo ofício escolhido é claro para ele, que, nesses anos soube aproveitar o que de melhor a profissão traz e reconhecer que o trabalho em equipe rende bons frutos. “É um aproveitamento de vida trabalhar no setor técnico. Aprendi muito com essa coisa de humanidade, a respeitar as pessoas desta área. É emocionante”.