“Estou quebrando a cabeça para não quebrar a cara.” Foi com essas palavras que Vera Mussi resumiu o desafio de assumir a Secretaria da Cultura, em entrevista ao Variedades no final da semana passada. A imagem se justifica: Vera foi o último nome a ser definido no secretariado do governador Roberto Requião, o que lhe deu menos tempo para formar a equipe, e está à frente de uma pasta que precisa se equilibrar entre o orçamento raquítico, a disputa de egos inflados e a choradeira habitual de artistas e/ou produtores culturais.
Para piorar, a secretária deparou com projetos inacabados, como o NovoMuseu, a transferência de acervos dos outros museus da cidade e a aplicação da Lei Estadual de Incentivo, práticas e ações nebulosas, como o Canal da Música/Canal Paraná e os contratos de terceirização, e problemas de infra-estrutura, caso do próprio NovoMuseu e de alguns cinemas e teatros do Estado.
Este primeiro mês de trabalho tem sido dedicado à “arrumação da casa”, começando pela formação da equipe (ainda inconclusa), revisão de práticas e uniformização dos procedimentos, para, aí sim, ser definida a pauta e formalizado o planejamento da secretaria.
Vera Mussi trabalha ainda no relatório que deve ser entregue até o final do mês ao governador – que suspendeu as licitações até março -, e na revisão dos contratos da gestão anterior. “O governo que nos precedeu adotava uma filosofia muito em cima das terceirizações e contratos de prestação de serviços, e esta é uma prática refutada pelo governador Requião”, explica Vera.
Segundo a secretária, foi isso que levou à suspensão das atividades do Canal Paraná, há quase duas semanas. Mas ela tranqüiliza os espectadores da TV e da Rádio Educativa: “Eles vão voltar – conforme até já tem sido anunciado na televisão -, e a nossa intenção é que voltem mais competitivos e mais transparentes na sua estrutura.”
Outra peça do “quebra-cabeças” herdado pela secretária é a aplicação de Lei Estadual de Incentivo à Cultura, sancionada só em novembro por Jaime Lerner. “Eles aprovaram a lei do jeito que queriam no finalzinho do governo, e cabe a nós a implementação. O Fórum das Entidades Culturais até já esteve aqui para tratar da lei, mas temos alguns problemas para a sua aplicação plena”, confessa.
Ela cita como exemplo a exigência de um aval da Secretaria da Fazenda para os patrocinadores interessados em contribuir com projetos culturais, o que requereria funcionários da Fazenda trabalhando nas dependências da Secretaria da Cultura. Vera se comprometeu a encontrar uma solução conjunta com o secretário da Fazenda, Heron Arzua, o quanto antes.
A secretária também disse estar tomando medidas para se prevenir contra a corrupção e a má-fé na aplicação da Lei, como aconteceu no ano passado com os cinco projetos que teriam sido aprovados pela lei Rouanet, e acabaram suspensos por suspeita de fraude na documentação. “Práticas como esta retiram a credibilidade das ações de incentivo, e tornam as empresas refratárias a patrocinar iniciativas culturais. Por isso estamos em busca de um bom advogado, que fará avaliações técnicas em toda a documentação e nos orientará sobre o procedimento que devemos adotar em cada caso”. Esse profissional porém ainda não foi definido.
Vera Mussi afirmou ainda que pretende “aperfeiçoar” a lei estadual, de modo que ela seja o mais isonômica possível, sem privilegiar qualquer grupo ou pessoa. Seria um antídoto contra as “panelinhas”, grupos de artistas e produtores que sempre se beneficiariam das políticas de incentivo, e uma forma de atender a outra queixa antiga da classe artística no Paraná: o uso das leis locais por parte de artistas consagrados nacionalmente. “É impossível julgar com absoluta objetividade, e é compreensível que nomes consagrados acabem influenciando na aprovação de determinados projetos, mas vamos trabalhar para que haja a menor interferência possível da subjetividade na aplicação da lei. Vou fazer como quando era professora e corrigia as provas sem olhar o nome do aluno”, compara.
Mais abacaxis, Festival e identidade cultural
Outro abacaxi que a nova secretária está descascando é a acomodação dos acervos de cada museu. “Com a construção do NovoMuseu, os acervos estão dispersos, cada parte num lugar diferente. Precisamos acomodá-los adequadamente. O do MAP vai direto para o NovoMuseu, o do MAC deve voltar ao prédio original, mas tudo isso será discutido com a classe artística”.
Vera Mussi também fez questão de dissipar alguns delírios cosmopolitas lançados quando da inauguração do espaço, como a inclusão no circuito mundial de artes plásticas e a adoção de uma curadoria internacional: “Sabe quanto custa o seguro de uma exposição internacional? Até temos algumas propostas de curadoria por outros países, mas pergunto se é o caso de gastar fortunas dessa forma”, pondera. “Prefiro trabalhar para que a nossa população menos favorecida tenha acesso à arte e à cultura. O sucesso do projeto Teatro para o Povo mostrou que as pessoas mais simples também sabem apreciar espetáculos de qualidade. É uma questão cultural, precisamos reeducar conceitos e deixar claro que a produção artística e intelectual também é voltada para eles”.
Festival de Teatro
A parceria com a Fundação Cultural para a realização do Festival de Teatro de Curitiba deve ser mantida, mas dessa vez sem verba do governo do Estado. “Não tem sentido deixar de apoiar um projeto consolidado, que beneficia a população da capital. Mas recursos financeiros são outra história. Se sobrar alguma coisa a gente até ajuda, mas provavelmente o festival deste ano não terá dinheiro do governo do Estado”.
Para terminar, Vera Mussi falou da relação que pretende manter com o ministério comandado pelo baianíssimo Gilberto Gil: “Vamos tentar mostrar ao ministro que os galegos aqui do Sul também são bons artistas, com uma produção cultural enriquecida pelas variadas raízes étnicas, e que embora pareçamos um pouco diferentes, estamos todos voltados na mesma direção”. E arremata: “Nunca tivemos muita expressão na cultura nacional porque temos pouca consciência da nossa identidade como paranaenses. Em qualquer lugar do Brasil onde vivam gaúchos, existe um CTG (Centro de Tradições Gaúchas). Por que não temos um CTP? Nossa maior tarefa é melhorar a compreensão do nosso papel na formação da cultura brasileira, e da nossa identidade como paranaenses”.
Secretaria vai mesmo funcionar no NovoMuseu
Vera Mussi confirmou a polêmica mudança da Secretaria da Cultura para o complexo do NovoMuseu, em data ainda a ser definida. “Temos uma série de problemas com o museu, e estando lá dá para acompanhá-los com mais precisão”, justifica. O diretor geral da Secretaria, Wilson Pósnik, traduz: “O museu é agora a unidade mais importante da Secretaria da Cultura, por isso precisa ser acompanhado de perto. Uma estrutura daquele porte funcionando paralelamente à Seec acarretaria numa sobreposição de funções e um conseqüente desperdício de recursos”.
A mudança aguarda a solução de problemas de infra-estrutura – o projeto não previa cabeamento ótico nem de telefonia – e a decisão sobre a área a ser ocupada. “Já existia a previsão de uma área administrativa no subsolo, e outra na parte norte do antigo edifício Castelo Branco”, informa.
Pósnik enumerou outros “problemas” do NovoMuseu: “Muitas coisas não ficaram muito claras, como o que foi contratado, o que foi executado e o que ficou sem executar”, observa. Ele cita como exemplo uma iniciativa do Paranacidade para a obtenção de recursos para a reserva técnica do NovoMuseu, que por problemas orçamentários e em virtude das festas de fim de ano acabou não acontecendo. “Tudo isso precisa ser rediscutido. Para isso uma comissão está avaliando os projetos com a Sedu (Secretaria Estadual do Desenvolvimento Urbano, à qual estava vinculado o programa Paranacidade), para decidir o que deve ser feito com os contratos em vigor, e verificar a situação atual da obra”.
Também será revista a forma de administração do NovoMuseu, atualmente mantido por uma Osip (Organização Social de Interesse Público), com o ex-secretário de Assuntos Estratégicos Alex Beltrão à frente: “Teoricamente o museu deveria ser da administração direta da Secretaria da Cultura, mas o governo ainda vai estudar o caso. Se for mantida a administração no formato atual, ela será reciclada conforme as pretensões do novo governo”. Leia-se: os integrantes da organização vinculados ao governo Jaime Lerner serão substituídos. O diretor-geral diz ser possível a troca de comando no NovoMuseu porque a ex-secretária Monica Rischbieter não assinou o contrato de gestão com a Osip no ano passado.