João Emanuel Carneiro parece brincar de roleta-russa em A favorita. No início de sua carreira, o autor foi roteirista de longas como Central do Brasil, em 1998, e Orfeu, no ano seguinte. Tramas que lançam uma lente de aumento diante das necessidades das massas são sua especialidade, como também foi retratado nos filmes Deus é brasileiro, em 2003, e Redentor, em 2004. Isso sem falar das novelas Cobras & lagartos, com cenários como o mercado popular do Saara, no Centro do Rio. Ou Da cor do pecado, que exaltava uma relação inter-racial. No entanto, a história principal de A favorita evidencia que o autor resolveu pegar a contramão. As tramas paralelas da novela até tratam de conflitos sociais, mas não têm relação com seu principal fio condutor: o caráter ambíguo de Donatela e Flora, de Cláudia Raia e Patrícia Pillar.
Há mais de uma semana, o autor resolveu condenar à vilania a personagem que, até então, havia conquistado a confiança de parte dos telespectadores e a que mais mostrava credibilidade. Fora isso, mocinhas sempre pagam por crimes que não cometeram e Flora chegou a amargar 18 anos no xilindró. Era mais uma evidência de que ela seria a doce menina de cachinhos dourados. Mas João Emanuel, provavelmente em decorrência da diminuta audiência da novela, deu uma guinada na história para atrair a atenção do público. Pegou seu único trunfo, que costuma ser revelado no final das tramas, e o atirou como granada no horário nobre. Ela poderia explodir. Ou não. O capítulo que foi revelado que Flora era a assassina bateu recorde e atingiu 46 pontos de média com 65% de participação. Em seguida, tudo voltou ao normal e a fumaça se dissipou. Atualmente, a audiência se equilibra nos insatisfatórios 40 pontos de média.
Ainda é cedo para avaliar se foi um tiro no pé, já que muitos têm a sensação de traição ao serem induzidos a torcerem por Flora, a personagem mais crível de ser inocente, e ser apunhalado pelas costas. Com isso, diversas questões na trama também não foram bem amarradas. Como, por exemplo, a Donatela ter se assustado quando Flora revelou que matou o amante, já que a própria Donatela havia presenciado o crime. Também deixou a desejar a mudança de comportamento da Flora. A partir da conversa que teve com Donatela, a então “boazinha” passou a agir como uma psicopata, mesmo diante de todos que já sabiam que ela era uma homicida, como o próprio Silverinha, de Ary Fontoura. Não havia necessidade daquele olhar cruel, já que o papel tinha um comportamento doce até então, mesmo sendo criminoso.
Mas esta tentativa de “strike” de João Emanuel com a “revelação” tem poucas saídas, já que acompanhar o sofrimento de Donatela ao longo da história, tentando provar sua inocência, não parece ser um dos programas mais animados na tevê. Com isso, o autor já começou a lançar mão de seu único curinga na trama: crescer a importância de núcleos secundários.
Uma das histórias mais fáceis de emplacar em um ano de eleições é o conflito entre Alicia, de Taís Araújo, e Romildo, de Milton Gonçalves. Com cenas que envolvem corrupção e obras superfaturadas, o político se depara com seu maior rival: a revolta da filha. Nesse gancho eleitoreiro, outra aposta do autor é o carismático Copola, de Tarcísio Meira. O personagem chega a fazer greve de fome numa distante alusão à greve de fome do Frei Luiz Cappio contra o projeto de transposição do Rio São Francisco. Com referências políticas e discretas denúncias, João começa a manobrar para tentar pegar a mão certa da trama.