Publicidade aumenta nos cinemas, para irritação do público

São 16h35 de sexta-feira e o público já se acomoda nas cadeiras da sala 7 do Unibanco Arteplex, no Shopping Frei Caneca, em São Paulo, para assistir à sessão de "Irma Vap – O Retorno", às 16h40. O filme, no entanto, só ameaça começar às 16h48, depois de uma escalada de comerciais e apenas um trailer de um futuro lançamento. Ameaça, porque, antes, a diretora Carla Camurati e atores Marco Nanini e Ney Latorraca montam uma cena em que ensaiam uma lista de agradecimentos para os seus patrocinadores – não deixa de ser engraçado, mas é mais um comercial. "Eu fico incomodado porque a gente já paga o ingresso. E nos filmes nacionais o problema me parece mais grave porque além dos comerciais, há ainda um espaço muito grande para as empresas que patrocinaram o filme", reclama o designer gráfico Ivan Eric.

O cinema e o patrocínio andam muito juntos no Brasil e, como se sabe, o primeiro não sobrevive sem o segundo. Agora, a idéia começa a chegar com força às salas de exibição que, sofrendo com a escassez de público, têm se associado cada vez mais à publicidade para manter as portas abertas ou até mesmo financiar a modernização de equipamentos. É uma fatia ainda discreta no faturamento das grandes redes – no Cinemark, por exemplo, que tem 317 salas em todo o País, 5% da receita vem da publicidade -, mas que pode e deve crescer em breve, muito graças às novas tecnologias. Para o anunciante, a vantagem é clara: além de mais barato, o comercial no cinema abre a possibilidade de se mirar certeiro no público que se pretende atingir. Público que estará tremendamente receptivo. "Quase não há dispersão, as pessoas prestam total atenção ao que se passa na tela", anota a diretora de marketing do Cinemark, Adriana Cacace.

Uma tentativa radical de barrar a entrada da publicidade nas salas de exibição foi arquivada no Congresso há alguns dias. O deputado petista Luiz Bassuma, da Bahia, apresentou um projeto para proibir a veiculação de propaganda nas salas, sob a pena da perda do alvará de funcionamento. "Quem procura lazer no cinema normalmente não deseja assistir a propagandas", justificou o deputado no PL 5725/2005. Ele mesmo, no entanto, resolveu retirar seu projeto da pauta de votações. No requerimento apresentado à Comissão de Educação e Cultura, disse que foi convencido por especialistas da inconstitucionalidade da proposta, que já havia sido rejeitada pelo relator Álvaro Dias.

Não há, portanto, nenhuma legislação que regule a veiculação de propaganda nas salas. Vale o bom senso, dizem os donos dos cinemas que, claro, criticam qualquer tentativa do governo de meter o bedelho na questão. "Aqui, não se passam mais de cinco minutos de publicidade", garante André Sturm, dono do HSBC Belas Artes. "Fixamos assim, mas ainda não chegamos a ter cinco minutos de comerciais."

Para Adhemar Oliveira, dono do Espaço Unibanco e do Unibanco Arteplex, até 10 minutos de comercias e trailers são uma medida razoável. "Na França, já vi sessão com 20 minutos, entre trailers e comerciais. A publicidade no cinema existe porque o cinema é uma mídia como qualquer outra", observa ele. "E todo mundo já sabe que o filme vai começar um pouco depois do horário marcado e tem gente que conta com isso. Já recebemos reclamações, por exemplo, de espectador que chegou um pouco atrasado à sala e perdeu o começo do filme, justamente por ter pouquíssimos anúncios naquela sessão."

Como publicidade em uma mídia como outra qualquer, é óbvio que um cinema como o Belas Artes, que apresenta basicamente filmes cult e de circuito restrito, tem menos chances de conseguir anúncios do que uma rede como a Cinemark, acostumada a receber blockbusters – quanto mais público, mais publicidade; quanto maior o potencial de bilheteria de um filme, mais anúncios. É por isso que nos filmes infantis – como "A Era do Gelo 2" e "Selvagem" – tem ficado cada vez mais difícil manter as crianças quietas na cadeira durante a maratona de reclames e evitar aquele "começa!, começa!".

A maior maleabilidade dessa fatia do mercado publicitário, em comparação principalmente com a TV, é um dos atrativos que têm levado novos anunciantes para as salas. Em redes que já têm tecnologia digital, a gama de possibilidades de anúncio é enorme. "Hoje, em cinemas digitais, o anunciante já pode escolher o cinema, a sala e o horário em que quer apresentar seu produto", diz o diretor-geral da Rain Network, José Eduardo Ferrão.

A Rain Network, que faz a distribuição de filmes para 95 salas de cinemas digitais via satélite, se especializou também em veicular anúncios nas telas – o mercado representa hoje 80% do seu faturamento. Ferrão chama a atenção para o fato de que esse dinheiro tem possibilitado a instalação de novas salas, porque pode baratear custos. "Nosso foco é exibir filmes em digital e a publicidade é o recurso que a gente encontrou para equipar as salas", diz ele. "É uma maneira de expandir o cinema nacional e aumentar a abrangência do cinema nacional e independente que antes, muitas vezes, não tinha condição de chegar aos cinemas."

Olhos bem abertos

O modelo da Rain quebrou o chamado cine-semana, uma minissessão de anúncios que são "colados" à película. Com ele, o anunciante era obrigado a comprar um pacote de anúncios, que começava na sexta-feira e terminava na quinta-feira seguinte. "Agora, os formatos são muitos e vão desde filmes sofisticados até outros mais simples, em slide motion. O tempo de duração também não está mais engessado no padrão de 30 segundos", explica Ferrão.

Ele cita como exemplo de sucesso uma propaganda da Ellus que apresentou nos cinemas um clipe do seu último desfile com a modelo e atriz Letícia Birkheuer e um comercial de sandálias em que Gisele Bündchen tinha o corpo todo tatuado. "Era praticamente um curta. A versão para a TV tinha trinta segundos e a do cinema, um minuto e meio, era lindo. Buscamos esse tipo de comercial, que seja agradável para o público. Não acho que as pessoas se incomodem em ver comerciais como esses dois. Era isso ou a tela em branco", resume o executivo.

Mais do que reclamar da publicidade, o público tem comentado a notável perda de espaço que os trailers têm sofrido para os comerciais. Exibidores e donos de cinema negam. "Não houve diminuição no número de trailers, mas é claro que eles tiveram de se adequar. Não é mais possível passar trailer de quatro minutos", pondera Adhemar.

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