Estreia nesta quinta-feira, 26, A Nostalgia da Luz, mas, antes de começar a falar do excepcional documentário de Patricio Guzmán, é bom lembrar que, neste ano, no Festival de Berlim, não houve filme melhor que El Botón de Nácar, o novo filme, também documentário – e poético -, do autor chileno. Mesmo assim, o júri presidido por Darren Aronofsky preferiu premiar o iraniano Táxi, de Jafar Panahi. Afinal, o cineasta continua confinado no Irã e proibido de dirigir – o que faz clandestinamente. Quando o fazia entre quatro paredes, parecia mais fácil, ou crível, manter essa clandestinidade. No caso de Táxi, Panahi não só dirige como atua, e no papel do motorista do táxi, com direitos a tomadas que olham de fora para dentro do veículo. Tudo isso passou despercebido – como, num regime policialesco como o do Irã? -, mas digamos que sim, e ainda bem. É importante que Panahi siga filmando – resistindo. Mas foi injusto com Guzmán. Táxi é bom, Botón de Nácar é excepcional.

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Aronofsky justificou o prêmio dizendo que a adversidade estimula a criatividade, e o próprio Panahi, num comunicado, acrescentou que filma para seguir vivendo. Patricio Guzmán vive no exílio, na França. Já pode voltar ao Chile, após a nefanda ditadura de Augusto Pinochet. E volta – para filmar.

Guzmán não filma apenas para se sentir vivo, mas para honrar os mortos pela ditadura chilena. Como Botón de Nácar tem texto do diretor, e se trata de um texto poético, Aronofsky e seus jurados acharam que, na partilha dos prêmios, estaria bem dar o prêmio de roteiro para o documentário de Guzmán. É quase sempre assim – júris não sabem como reagir diante de documentários, a menos que sejam festivais específicos.

Botón de Nácar conta uma história da água e, quando o espectador se dá conta, do oceano Pacífico emergem os signos evidentes da ditadura de Pinochet. O botão de nácar é um deles. Em A Nostalgia da Luz, Guzmán não vai ao mar, mas ao deserto. O Atacama, o lugar mais seco da Terra. Ali foi construído o maior e mais potente telescópio do mundo para perscrutar o universo. A visibilidade, mesmo a olho nu, é impressionante. Deitar-se, à noite, no Atacama, e olhar para cima é descobrir uma paisagem que a poluição do ar das cidades não permite mais antever. No Atacama, o ar, a luz possuem uma densidade especial, um filtro – você olha e vê os milhões/bilhões de estrelas que os especialistas dizem existir no universo.

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Ele é infinito, finito? É matéria de discussão em A Teoria de Tudo, de James Marsh, outro filme em cartaz. No Atacama, falando da luz e do esforço dos astrônomos para decifrar os mistérios do universo, Patricio Guzmán ilumina outra coisa – a luta daqueles que escavam na areia e na pedra, em busca de… evidências? Assim como lançava ao mar cadáveres, e às vezes as pessoas nem estavam mortas, para ocultar seus crimes – a tragédia dos desaparecidos -, a ditadura chilena, como máquina de matar e ocultar, também enterrava os mortos no deserto. Naquele areal imenso, os algozes não deixavam uma cruz, uma pedra, nada que identificasse os locais de desova dos torturados e assassinados. As famílias escavam, metro a metro. Uma busca interminável como a dos astrônomos. Nostalgia da Luz é de 2010, e estreia somente agora. El Botón de Nácar é deste ano. Que estreia logo. Teremos dois filmes de Guzmán entre os melhores do ano. Dois filmes de Guzmán como os melhores do ano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.