Glória Menezes: ?Assumindo uma nova fase ?. |
Glória Menezes não fez por menos. Ao ser convidada a interpretar a primeira avó de sua carreira, decidiu adotar de vez o branco dos cabelos, antes cuidadosamente pintados de louro. A mudança no visual não foi fruto exclusivo da composição de Zoroastra, a “bruxinha do Bem” que a atriz vive em “O Beijo do Vampiro”. Aos 66 anos, Glória já tinha chegado à conclusão de que era hora de “passar para o lado de lá”. “Se não assumir logo esta faixa de idade, a mulher fica pendurada no tempo. Não pode mais ser a mocinha e ainda não pode ser avó. Não é nada”, argumenta.
Glória aproveitou a observação das crianças para compor Zoroastra. A inspiração familiar ela é quatro vezes avó serviu de base para a convivência com os netos da ficção, Zeka, Tetê, Juninho e Renato, personagens de Kayky Britto, Renata Nascimento, Guilherme Vieira e Thiago Farias. Mas funcionou, principalmente, para a definição da própria personagem. “O trabalho com a Zoroastra foi buscar meu lado criança. Ela tem características que a gente perde ao longo da vida”, justifica a atriz, com gestos comedidos.
O processo de redescoberta das emoções começou no espetáculo “Jornada de um Poema”, em que por dois anos fez uma doente terminal a partir daí, a atriz passou a encarar tudo com mais tranqüilidade. Glória assegura que a vitalidade e o humor de Zoroastra não poderiam ter aparecido em melhor momento. “Apesar da idade, ela ainda está preparando a própria vida. É cheia de energia e vontade de viver”, avalia, assumindo a da eletricidade da personagem.
Embora encare o trabalho de modo responsável, Glória deixa claro que tudo não passa de uma grande brincadeira. Desde o tema da novela até a relação de Zoroastra com o esoterismo. “A gente não leva nada a sério”, garante, com naturalidade. Mesmo assim, ela adota um discurso emocionado ao falar do romance entre Zoroastra e Galileu, personagem de Luiz Gustavo. “Encontro mulheres na faixa dos 50 anos que estão encantadas com isso, criando fantasias de ainda encontrar seus príncipes encantados. Por que não?”, questiona.
P – A Zoroastra é a primeira avó de sua carreira. Você acha que ela marca uma mudança no perfil de suas personagens?
R – Sem dúvida. Você acha que eu poderia fazer “uma Bóris”? Charmosa, apaixonada por um rapazinho de séculos atrás, travando batalhas, em cima de um cavalo… Não dá. A idade traz limitações às atrizes. O homem tem mais facilidade com estas coisas. E não adianta, vai ser sempre assim. O que a mulher pode fazer é a avozinha maravilhosa, bruxinha, com os netinhos em volta. Por mais encantadora que uma mulher seja, ela não tem espaço, a partir de uma certa idade, para papéis como os homens têm. Então, você tem de atravessar logo esta faixa de idade e passar para o lado de lá correndo. Existem mulheres que são lindas, mas você não sabe se têm 40, 50, 60 ou 70 anos, se podem fazer avós ou não. É uma coisa que complica a mulher. Foi por isso que eu quis assumir logo, deixar meu cabelo branco de uma vez… Não existem atrizes americanas maravilhosas, que ganharam o Oscar aos 80 anos, com papéis de acordo com a sua idade?
P – Você se preocupava com este aspecto da carreira?
R – Isso nunca me preocupou. É claro que sempre penso nisso, mas é uma coisa natural, não me causa estresse. Eu pensava: “Bom, agora as oportunidades são menores. Aos 60 anos diminuem, aos 70 diminuem ainda mais…”. Para o homem não. O Paulo Gracindo, por exemplo, com 70 anos fazia todos os tipos de papéis. É complicado, mas é a nossa realidade e a gente tem de enfrentar. E não é só no Brasil. No mundo inteiro as atrizes reclamam disso. Elas acabam tendo suas próprias produtoras para ter a oportunidade de escolher os papéis e fazer seus trabalhos. Já no teatro é diferente. No palco, você pode perder 20, 30 anos. Eu mesma, em “Jornada de um Poema”, fazia a personagem aos 5 anos, aos 19… E isso sem caracterização nenhuma. É um trabalho de ator, e só.
P – Por outro lado, a Zoroastra também aborda a temática do romance na maturidade…
R – Isso é uma coisa maravilhosa, uma das mais positivas desta novela: mostrar que pode haver um romance entre pessoas maduras. Eu encontro mulheres na faixa dos 50 anos que estão encantadas, criando fantasias de ainda encontrarem os seus príncipes. Por que não? Por que não viver junto, segurar a barra um do outro, ser companheiro para tudo? Por que não ter um carinho, beijinho na boca? E mais uma vez tem a diferença do homem em relação à mulher. É até normal você ver um homem de 70 anos se relacionando com uma mulher de 20. Já a mulher de 70 não vai poder nunca.
Há mais de quatro décadas
O nome de Glória Menezes está tão ligado à história da teledramaturgia brasileira quanto ao de outro astro da telinha: Tarcísio Meira. Juntos desde 1962, quando se conheceram num teste da radionovela “Um Pires Amargo”, da Rádio Tupi, os dois começaram a contracenar na primeira novela diária da tevê brasileira: “2-5499 Ocupado”, da TV Excelsior, em 1963. De lá para cá, já atuaram juntos em 15 novelas, na maioria delas como par romântico. Em “O Beijo do Vampiro”, é a primeira vez que o casal está em campos opostos: a bruxinha Zoroastra é uma das defensoras de Maramores contra as maldades do vampirão Bóris.
O fato de conviver com o marido artista, no entanto, não foi suficiente para atenuar a culpa que Glória sempre sentiu por ter de dividir seu tempo entre a família e a carreira. “Quando as crianças eram pequenas, era terrível. Mas aí, li o livro da Liv Ullman e vi que ela se sentia culpada também. É sempre assim, não tem jeito”, conforma-se. Hoje com quatro netos, Glória, assim como Zoroastra, tem a sensação de não ser uma “avó normal”. “Ainda estou no meu ritmo, na minha procura, e eles sabem disso”, aposta. Foi com ares de amiga que Glória reagiu ao desejo do filho de seguir a profissão dos pais. Tarcísio Filho, atualmente no elenco da minissérie “A Casa das Sete Mulheres”, não encontrou nem um traço da resistência que a mãe enfrentou no início da carreira. “Era a ovelha negra da família”, lembra, às gargalhadas. Apesar de considerar a profissão difícil e “preocupante”, Glória preferiu não interferir. “Quando uma pessoa decide uma coisa, tem de ir até o fim”, sentencia.