Em ritmo de futebol, nos meados dos anos 1940 se ouviam as marchinhas iniciais da primeira escola de samba de Curitiba. Era a Colorado, na época também composta por ex-jogadores e diretores do Ferroviário, que no futuro veio a adotar o mesmo nome do grupo carnavalesco, antes de se tornar Paraná Clube.
A relação com o clube da Vila Capanema se tornou ainda mais próxima em 1949. Após serem desabrigados do antigo local de ensaio, a escola de samba foi acolhida no Estádio Durival Britto e Silva. Em troca, a condição de dar apoio incondicional ao Ferroviário nas arquibancadas.
Nascia assim a principal torcida organizada do clube, com o nome “Boca Negras”. Era a turma do carnaval quem passava a animar as tardes de jogos do Ferroviário na Vila Capanema. “Só não tínhamos faixas e uniformes oficiais. Mas procurávamos ir todos nós, uns 60, de camisas vermelhas”, conta um de seus idealizadores, o sambista e ex-jogador Ismael Cordeiro – ou, simplesmente, Maé da Cuíca.
Na batuta de Maé da Cuíca estava o comando do batuque e das canções que embalavam o Ferroviário na reta do relógio da Vila. Além de fundador da escola de samba Colorado, ele defendeu as cores do Ferroviário dentro de campo. “Em 1949 fui campeão brasileiro do SESI, no Rio de Janeiro. Na volta me levaram pro Ferroviário. Jogava no meio de campo, lateral também”, recorda.
Se no campo Maé se lembra de poucos momentos de sua trajetória, das arquibancadas o renomado sambista tem até hoje como recordação os hinos que embalavam o saudoso clube do coração. “Sou Boca de fato, não admito confusão. E comigo não tem papo, sou Boca de coração. Campeão do ano santo e também do centenário, nosso time sempre joga respeitando adversário. Campeão da disciplina, é a nossa tradição, é por isso que sou Boca Negra de coração”, cantarola ele, que se mantém fiel em comparecer ao estádio onde por tanto tempo dedicou suas canções.
Sem a velha guarda para fazer festa, Maé da Cuíca costuma ver o Tricolor em ação na companhia de seu bisneto, de 13 anos. Ainda fica perto do batuque, mas trocou a reta do relógio pela quase recém-criada curva sul. “Sofro lá. Tenho problema de bronquite asmática, me da um entusiasmo e ataca tudo”.
Sem ter mais nenhum fardamento do antigo Ferroviário, Maé da Cuíca religiosamente vai aos jogos utilizando uma camisa ganhada do ídolo paranista Saulo, o Tigre da Vila. No entanto, quando o papo é goleador, o sambista e torcedor não deixa esquecer, novamente em ritmo de música, quem pra ele foi o melhor jogador a atuar no Durival Britto e Silva: “Isauldo é o artilheiro, ele é o maioral. Maior centro avante no Paraná!”, lembra, sobre o atleta que fez história jogando ao lado de Afinho. “Se um não marcava, o outro ia lá e fazia. Nos bons tempos era assim”.