A Preservation Hall Jazz Band (PHJB) é um pouco como a guarda suíça do Vaticano: instalada numa casa de madeira de 264 anos em New Orleans, cumpre a eles, há 53 anos, zelar para que a tradição do jazz nunca se perca de seu caminho. Uma das grandes instituições musicais do gênero, a banda residente do prestigioso Preservation Hall (que foi uma taberna no passado, durante a guerra de 1810) toca nesta quarta-feira, 21, em São Paulo, no Bourbon Street.

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Especialista na leitura de standards do dixieland e traditionals, a PHJB surpreendeu no ano passado ao lançar um disco inteiro de composições originais, That’s It. É esse show que desembarca hoje na cidade, com sua carga de desafio e inovação (a banda ainda toca nesta quinta-feira, 22, no Teatro do Bourbon Country, em Porto Alegre; sexta, na Hebraica, em São Paulo; e é um dos destaques do Bourbon Festival de Paraty, no sábado, de graça).

“Nossa missão não é somente honrar a tradição, mas também contribuir para aquele legado com novas composições”, disse ao jornal O Estado de S.Paulo por telefone o trompetista Mark Braud (sobrinho do baixista de Duke Ellington, Wellman Brau). Braud integra a quarta geração de músicos da PHJB, cujo diretor musical, o tubista Ben Jaffe, é filho dos fundadores da instituição.

“New Orleans tem muitas influências, do Caribe à África, da Europa aos pântanos. É um melting pot de gêneros, e a partir dessa mistura algo único foi criado na cidade”, afirma o trompetista. Segundo ele, não houve reações negativas de puristas quanto à decisão do grupo de gravar um disco com tudo novo no repertório.

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“Não ouvi (falar de detratores), mas sempre há oposição a algo novo. O que eu acredito ser um mal-entendido dessas pessoas, porque New Orleans sempre foi avant garde. Louis Armstrong era de vanguarda. Buddy Bolden era de vanguarda. Se hoje nós temos brilhantes discos como um ponto de partida, isso foi resultado da ousadia deles. Eles tocavam uma música que supostamente não deveria ser o seu repertório. Em New Orleans, todo dia alguém está improvisando, fazendo novos arranjos para aquelas composições que vêm do passado. Quem não compreende isso quase sempre é alguém que é de fora de New Orleans”, analisa ainda o músico.

A PHJB é um pouco como um cartão de visitas de New Orleans. Quando se vai pela primeira vez ao JazzFest, é comum vê-los misturados ao público com suas tubas, saxofones e trompetes. “Tocamos o que somos. Eu comecei na música ainda criança, numa brass band. Nós todos viemos dessa tradição. Então, para a gente, é natural tocar em eventos como o Mardi Gras e as funeral parades”, ele diz.

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O local onde tocam é pequeno e disputado na noite da cidade, é até difícil conseguir um lugar para ouvir os músicos que se apresentam ali – é algo similar a tentar ouvir a Velha Guarda da Portela no Carioca da Gema. Portanto, também é curioso imaginar como, a partir de tal QG, eles chegaram ao mundo todo com tão boa reputação.

“É uma bênção poder chegar a todo o mundo, não há nada como levar a outros países nossa experiência. É um sinal de que nossa música está viva e respirando”, afirma Braud. Segundo ele, o show é uma mistura do seu repertório tradicional com as composições novas, um “processo muito orgânico”.

Entre as novas canções, há um leque grande de sabores, da caribenha August Nights ao funeral dance de Rattlin’ Bones, passando pelo acento gospel de Dear Lord (Give Me Strenght) à acústica Yellow Moon.

“Toda nossa música vem do coração e da alma de New Orleans. O que pudemos perceber, desde o lançamento do nosso novo disco, é que ele ainda é muito Preservation Hall, mas também é um retrato do que a banda é agora. Todo dia, nós improvisamos muito, crescemos musicalmente. O disco é o resultado disso.”

A PHJB atual tem Braud, Charlie Gabriel (saxofonista, clarinetista e flautista de 82 anos), Ronell Johnson (tuba, 38 anos), Ben Jaffe, Rickie Monie (pianista, que integra a elite de 1,6 mil pianistas da Steinway), Clint Maedgen (cantor, compositor e multi-instrumentista), Freddie Lonzo (64 anos, trombonista) e Joseph Lastie (baterista de 56 anos, que tocou com o lendário Professor Longhair).

A formação original tinha os instrumentistas George Lewis, Sweet Emma Barrett e Kid Thomas Valentine.

A PHJB foi criada pelos pais de Ben Jaffe, Alan e Sandra Jaffe, em 1961, com a ideia de manter um lugar onde os jazzistas mais antigos pudessem continuar tocando seu jazz tradicional. Ao longo dos anos, foi perdendo seus integrantes de idades mais avançadas, substituídos por outros. O próprio Alan Jaffe, ao morrer, foi substituído pelo filho Ben, hoje com 42 anos. Em 2012, celebraram seus 50 anos de existência com turnê que culminou com um disco gravado no Carnegie Hall. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.