Presentes, trocas e vínculos sociais

A proximidade do Natal coloca em movimento de reciprocidade pessoas que dão, recebem e retribuem presentes. Apesar de parecer que a sociedade capitalista prioriza as mercadorias, o que as pessoas trocam ?não são exclusivamente bens e riquezas, bens móveis e imóveis, coisas úteis economicamente. São, antes de tudo, amabilidades, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras, dos quais o mercado é apenas um dos momentos, e nos quais a circulação de riquezas não é somente um dos termos de um contrato bem mais geral e bem mais permanente?, diz Mauss em seu livro O ensaio sobre a dádiva, para quem existe uma regra básica universal das trocas: dar, receber e retribuir, o que permite que as relações sociais sejam estabelecidas e mantidas.

Em cada sociedade ou comunidade, as trocas têm sentido específico. Nas comunidades dos índios marubos, ?não há trocas de presentes embrulhados em papéis coloridos. Mas há outras maneiras de trocar. Por exemplo: nas refeições em que todos os homens da maloca se sentam nos bancos paralelos da porta principal para comer, o caçador não come da carne do animal que ele próprio matou (o que lhe traria o fracasso nas caçadas futuras), mas se serve da carne de animais abatidos por seus companheiros?, explicou o antropólogo, palestrante, escritor, professor e doutor Júlio Melatti, da UnB – Universidade de Brasília.

Melatti, que esteve em Curitiba em novembro a convite da coordenação do PPGAS-Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social representada pela antropóloga, professora e doutora Edilene Coffaci de Lima, esteve com os marubos na bacia do Javari (Amazonas) três vezes: de dezembro de 1974 a março de 1975; de maio a setembro de 1978; e de janeiro a março de 1983. Na primeira visita, os marubos eram quase 400; na segunda chegavam a 450 aproximadamente. Um pesquisador que esteve com eles em 1997-98 (Javier Ruedas) contou quase 1.000.

Suas habitações se concentram em quatro locais: no médio e no alto Curuçá; e no médio e no alto Ituí. O rio Curuçá corre para o Javari. O rio Ituí corre para o Itacoaí, que corre para o Javari. Os marubos estão todos no sul do município de Atalaia do Norte, cuja sede fica no baixo Javari, próximo de Benjamin Constant (que fica no ponto em que o Javari desemboca no Solimões). Na margem oposta do Solimões fica Tabatinga. Caminhando-se a pé na ruas de Tabatinga na direção oeste, entra-se em Letícia, que é uma cidade colombiana.

E como os marubos trocam entre si? Melatti conta que ?a mulher que não tem mandioca na sua roça suficientemente desenvolvida para ser colhida, pode pedir para se abastecer na roça de uma parenta; no rito de Tanaméa, os convidados são recebidos com uma farta refeição na maloca do anfitrião, que providenciou a limpeza do caminho por onde chegariam e lhes ofereceu outras refeições em clareiras que abriu, para descansarem durante o trajeto de vinda; mas ele toma dos visitantes os seus adornos plumários de cabeça?.

A língua dos marubos é da família lingüística Pano, ?muito parecida com a falada pelos katukinas, grupo indígena do Acre pesquisado pela professora Edilene?, disse Melatti. No decorrer da palestra o pesquisador disse que os marubos habitam em malocas no alto das colinas, onde dormem, realizam refeições e cânticos de cura. Ao redor das colinas existem casas, erguidas sobre pilotis, com assoalho e paredes de casca de paxiúba, teto de palha que serve como depósito para coisas que eles conseguem com os brancos, como corda de aço, faca especial para cortar tronco de seringa. Plantam milho, macaxeira, banana, mamão, goiaba, caçam e pescam e vendem seus artigos em cidades próximas. Dividem-se em dezoito seções ou grupos que reúnem parentes por linha feminina e de gerações alternadas.

Ao escrever a respeito de um grupo indígena, que tipo de troca o antropólogo realiza com eles? ?Acredito que minha pesquisa tem mais a ver com a contribuição que posso dar à própria antropologia. Alguma coisa pode ter servido a eles, como meu trabalho na redação do volume Javari, da coleção ?Povos Indígenas no Brasil?, do Cedi-Centro Ecumênico de Documentação e Informação, pois serviu como uma das fontes de informação para aqueles que trabalharam em favor da criação de um parque indígena na região. A longo prazo, o que eu escrevi pode servir como fonte para futuros marubos conhecerem sobre seu passado, assim como nós recorremos aos livros deixados pelos naturalistas que visitaram o Brasil no século XIX. Nesse sentido, posso estar fazendo com eles uma troca informal?, disse o professor Júlio.

Cada vez mais, cresce o interesse pela antropologia. Melatti oferece cursos de extensão, que são procurados por ?alunos de graduação e pós-graduação em Antropologia na UnB, funcionários da Funai (ex-alunos da UnB), e ex-alunos da UnB lotados em outras atividades. Donde se deduz que falta no curso regular uma disciplina panorâmica como a que eu ofereço na extensão?, explica o antropólogo.

Aproveito para agradecer aos professores do PPGAS pelos ensinamentos recebidos, à professora Edilene Coffaci de Lima, pela orientação em andamento; aos professores Carmen Lúcia da Silva e Marcos Lanna, pelas observações oportunas na banca; ao professor Marcos Silveira pelas válidas sugestões de livros, às professoras Obdulia de Miranda Cáceres (Luli) e Olga E. Herrera, pelas aulas de guarani; aos colegas de mestrado e de Guarani, pela amizade; ao jornal O Estado do Paraná, pela possibilidade da comunicação; a todos os que me concederam entrevistas ao longo do ano, aos membros do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e aos leitores, pela valorização dos temas aqui desenvolvidos. Feliz Natal a todos.

Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná – zeliabonamigo@uol.com.br

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