Premê se apresenta em São Paulo

Era final dos anos 1970 e o País parecia dormir depois de tanto barulho. O rock nacional ainda era um vírus encubado e já haviam florescido, em um rápido retrospecto, o samba-jazz, a Era dos Festivais, a MPB, o Clube da Esquina, a Jovem Guarda, Luiz Gonzaga, Tim Maia e a Tropicália. A indústria fonográfica deixava o período da relação paternal com seus contratados e começava a estalar o chicote. Queria ganhar mais, mesmo com os consagrados, e passava a exigir números de vendas consistentes no lugar das capas de álbuns conceituais. Bem longe de tudo isso, um grupo de músicos estudantes da USP só queria colocar algumas aulas teóricas na prática. Não sabia que começava a traçar a principal via criativa em tempos de entressafra. Mesmo que fosse na contramão.

O Premeditando o Breque surgiu assim, sem premeditar nada. Entre aulas eruditas e ideias populares, com o samba-de-breque saindo do canal direito e arranjos camerísticos do esquerdo, trazia uma linguagem desafiadora para um público quase que obrigatoriamente bem informado. O conceito talvez tivesse inspiração no tropicalismo dos Mutantes, mas a forma era outra. O novo ingrediente da geleia geral não era o Brasil todo dialogando com as guitarras, mas uma cidade chamada São Paulo.

A carreira que nunca terminou, apesar dos longos períodos de hibernação, subiu e desceu ladeiras. Sua origem, em 1979, foi com Premeditando o Breque/Empada Molotov Frevura e seu estouro veio no terceiro álbum, em 1983, com Quase Lindo.

Foi quando o Premê, para o bem e para o mal, conheceu o estrelato ao gravar São Paulo, São Paulo, algo que poderia ser chamado de seu maior hit. Um álbum na galeria dos melhores da pré década de 80, e que também ajudaria a defini-la.

O Premê, que perdeu o resto do nome já nos anos 1980, vai se reunir com a formação que gravou o Quase Lindo apenas para dois shows, neste sábado, 13, e domingo, 14, no Sesc Belenzinho. Com Wandy Doratiotto (voz, violão e cavaquinho), Mário Manga (guitarra, cello, bandolim) Claus Petersen (flauta, sax e voz), Marcelo Galbetti (teclado e clarinete), Osvaldo Fagnani (baixo, piano, violão e voz) e Azael Rodrigues (bateria e voz), vai tocar o disco inteiro, faixa a faixa, e mais cinco ou seis canções de outros álbuns. Será a primeira vez em quase 30 anos que esta escalação se encontra, desde a partida de Azael e Osvaldo logo depois da gravação do quarto álbum, O Melhor dos Iguais, de 1985.

São Paulo, São Paulo, a música que fez um dos grupos mais undergrounds da época ganhar espaço nas rádios e ir parar em trilha sonora da novela Vereda Tropical, nasceu de uma ideia do baixista Fagnani, conta o próprio. “Eu chegava em casa, ligava o rádio e estava sempre tocando New York, New York, do Frank Sinatra.”

Inspirado, pensou na melodia e a levou para o grupo elaborar uma letra. “Todo mundo tinha de concordar com cada palavra”, lembra. Foi daí que saíram pérolas como “Pardais, baratas, ratos na Rota de São Paulo…” e “Pra quebrar a rotina num fim de semana em São Paulo / Lavar um carro comendo um churro é bom pra burro…”. Fagnani entrega que a parte do “lavar um carro comendo um churro” foi ideia de Manga. “Foi sem querer, não tínhamos noção de que esta música se tornaria a mais conhecida. Só conseguimos perceber isso quando ouvimos o arranjo feito pelo (maestro) Nelson Ayres”, conta o baixista.

Um potencial estouro comercial fonográfico em 1983 poderia cobrar um preço alto. E a silenciosa cobrança começou assim que Lulu Santos fez a ponte para que o grupo fosse contratado pela EMI-Odeon. Seria o fim da pendenga, o começo de uma vida nova em uma grande gravadora, a glória dos céus. Seria, se o Premê não começasse a premeditar demais o futuro. Os dois discos produzidos por Lulu (O Melhor dos Iguais, de 85, e Grande Coisa, de 86), cheios de tentativas pop, apesar de bons momentos isolados, naufragaram e deixaram o grupo no meio do caminho. De repente, não pareciam nem mais os inventivos paulistanos sem fronteiras nem soavam como produtos de consumo de massa. Izael e Fagnani deixaram o barco e o grupo sentiu o baque.

“As coisas mudaram muito. Chegamos para gravar no Rio em uma grande gravadora e tínhamos de nos adaptar. Ficamos perdidos”, diz o baixista. Manga vai no mesmo caminho: “A gente se perdeu. Ficamos muito deslumbrados com a ideia toda, talvez sonhamos alto demais”. Mas ele não sataniza a gravadora nem o produtor. “Eles nos deram muita liberdade, eram muito abertos.”

A Vanguarda Paulistana de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Língua de Trapo e grupo Rumo pode não ter sido a mais lucrativa, mas seria a melhor e mais digna companhia ao Premê. Assim que o rock nacional começou, com Ultraje a Rigor, Legião Urbana, Titãs e Paralamas do Sucesso, o grupo pode até ter sofrido com as tentações de pegar aquele bonde se não fosse por um impedimento: eles já haviam ido longe demais para voltar às amarras do rock and roll. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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