Embora a tênue de soirée, ao contrário de Cannes, não seja obrigatória na Berlinale, Karin Aïnouz e seu elenco vão se vestir de gala para a première internacional de Praia do Futuro. Afinal, a ocasião merece. O filme devolve nesta terça-feira, 11, o Brasil à competição pelo Urso de Ouro, que o País já venceu duas vezes – em 1998, com Central do Brasil, de Walter Salles, e em 2008 com Tropa de Elite, de José Padilha. Pode ser mera coincidência, mas o Capitão Nascimento, Wagner Moura, também volta à Berlinale, e num papel bastante diferente. Wagner faz Donato, o irmão mais velho de Jesuíta Barbosa. Ele veio para a Alemanha e sumiu. O caçula, que sempre teve no irmão o seu super-herói, vem atrás dele.
É um filme de descoberta, de amadurecimento. Aborda predominantemente personagens masculinos – e a obra de Karin privilegia as mulheres. São filmes quase sempre intimistas, delicados. Karin agora muda o tom. Fez um épico – do seu jeito. Explorando a porção feminina, a fragilidade, do super-herói. Está contente com Praia do Futuro, mas também ansioso. “É a primeira vez que concorro num grande festival internacional. É muita expectativa”, avalia. No sábado, Karin serviu de guia para o repórter, conduzindo-o num tour por Berlim. Visitaram as locações de Praia do Futuro na capital alemã. O filme passa-se 60% na Alemanha e 40% no Brasil – ou 70% e 30%. A principal locação brasileira é a praia de Fortaleza que lhe dá título. Karin nasceu no Ceará, frequentou muito a Praia do Futuro. “Sempre quis fazer um filme naquela locação, que foi muito importante na minha infância e juventude. Mas não era só o lugar. Era o nome, também. Praia do Futuro pode ter muitos significados e eu insisti para manter o título na versão internacional. Não houve tradução. Quem ficar intrigado, procure para saber.”
Fortaleza, A Praia do Futuro
Berlim. Karin quer capturar a alma das cidades. “Não consigo filmar em lugares que não significam nada para mim”, resume. O tour começou à 1 da tarde de sábado, 08, quando o carro da produção apanhou o repórter no hotel em Potsdamer Platz e o levou ao bairro de Neukolln, onde Karin reside. “Vim para Berlim em 2004, logo depois de fazer Madame Satã. O governo alemão tem um programa de residentes. Eles convidam artistas para que fiquem um ano no país. Dão casa e pagam salário para que você faça o que quiser. Pode até não fazer nada, só desfrutar da cidade, mas foi um período de muito trabalho para mim. Foi quando Praia do Futuro começou a nascer.” Você pode pensar – mas então o filme demorou dez anos para ser feito? A escritura do roteiro começou lá atrás, mas Praia do Futuro foi feito nos últimos quatro anos.
“Não de forma consecutiva. Fiz muita coisa no período. Filmei depois da Berlinale de 2012, cinco semanas, e depois mais três em Fortaleza, em outubro. E passei 2013 montando o filme com calma. Como tem tudo a ver com a cidade, mostrei-o à Berlinale ainda no ano passado, quando não estava pronto. Eles toparam em seguida.” A própria escolha das locações explicita a ligação de Karin Aïnouz com Berlim. Ele foi morar em Nova Colônia, um bairro de trabalhadores, na antiga Berlim Oriental. Neukolln é marcado pela miscigenação cultural, porque os aluguéis, há dez anos, eram mais baratos. Era uma zona mais tranquila das cidade, agora está virando uma Vila Madalena, cheio de bares e restaurantes, Um bairro boêmio. A primeira parada foi no local onde fica o apartamento de Konrad (Clemens Schick), que faz o namorado alemão de Wagner. Pronto – está revelado o segredo de Polichinelo. Se a ideia era humanizar/fragilizar o super-homem, nada melhor do que dar um personagem diferente ao heroico Capitão Nascimento.
Wagner faz um salva-vidas na praia do Futuro. O filme divide-se em três capítulos. No primeiro, O Abraço do Afogado, dois turistas alemães estão se afogando, Wagner salva um, o outro morre. Inicia-se uma ligação que o levará à Alemanha. Essa primeira parte se passa em 2004. Em 2012, o caçula chega à Alemanha em busca do irmão, mas não é fácil encontrá-lo. Karin explica sua escolha do ator que faz o papel – “Se tinha o Wagner, que não era cearense, queria, absolutamente, que o irmão fosse de Fortaleza. Fiz teste de elenco e cheguei ao Jesuíta (Barbosa).” O cinéfilo sabe quem é – Jesuíta tem importante participação e até foi premiado no Festival do Rio por Tatuagem, de Hilton Lacerda. A casa do amante alemão fica no 111 da Kienitzerstrasse. “Quando filmamos, há dois anos, isso aqui não era tão cuidado. Todo o bairro está passando por uma transformação. Pode não significar muito para quem não tem noção da cidade, mas eu queria documentar a mudança de Berlim. Se o filme é sobre a transformação de pessoas, eu também queria mostrar a transformação de lugares.”
Em frente, há um bar em que foi filmada uma cena – um telefonema de Donato (Wagner). Na esquina, na Schiller Promenade, há um bar de motoqueiros que Karin queria ter usado como locação, mas não conseguiu. Ele conduz o repórter numa caminhada por dois quarteirões. “Para você sentir como é isso aqui” – e a próxima parada é o antigo aeroporto nazista de Berlim, Tempelholf, que virou um imenso parque, abrigando hortas comunitárias. “Os moradores dos prédios ao redor têm direito a seu lote. Agora, porque é inverno, parece abandonado, mas no verão é muito bonito. As crianças plantam e colhem, num projeto de comprometimento social e desenvolvimento da cidadania.” Uma cena que parecia importante chegou a ser filmada ali. “Para tentar achar o irmão, Jesuíta chegava primeiro ao Konrad, que tem um filho. E ele perseguia o garoto, chegava a agredi-lo. Era uma cena que funcionava bem no roteiro, mas se revelou supérflua na montagem e caiu.” Karin cortou muita coisa? “Muita, e em geral corto sem dó. Sobra o que é preciso para a história e os personagens.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.