São Paulo – O ano está quase acabando, mas as homenagens ao centenário de nascimento de Cândido Portinari continuam se sucedendo. Na verdade, o pintor mais conhecido do País será lembrado com grande pompa mesmo em 2004, quando estaria completando 101 anos de idade, com o lançamento do catálogo completo de sua obra e a realização de uma retrospectiva ampla sobre sua obra no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
No campo editorial também ocorreram algumas iniciativas interessantes, como a reedição de Retrato de Portinari, uma biografia poética escrita pelo amigo Antonio Callado, e o lançamento, ontem à noite, de Portinari, o Pintor do Brasil (Boitempo Editorial – 176 págs. – 29 reais). Escrito pela jornalista Marilia Balbi para a coleção Paulicéia, da Boitempo, a obra procura abordar as principais questões relativas à vida e obra de Portinari de maneira sucinta e clara, fazendo um apanhado da trajetória do pintor que deixa evidente sua participação singular no cenário artístico, cultural e político do País até sua morte prematura, em 1962, em decorrência do envenenamento com as tintas.
Em vez de adotar uma estrutura linear, cronológica, Marilia optou por construir sua narrativa a partir de algumas questões que sempre são levantadas quando Portinari é o tema: arte e engajamento político; relação do pintor com o governo Vargas; relação com o muralismo; memórias da infância em Brodósqui etc. Trata-se sobretudo de um livro-reportagem. Apaixonado, sem dúvida, mas ainda dentro dos padrões tidos como jornalísticos. As avaliações críticas da obra do artista ficam por conta das inúmeras citações de amigos e contemporâneos, como Mario de Andrade, Antonio Bento, Lúcio Costa, Clóvis Graciano e vários outros.
Incomoda um pouco a reiteração sobre o “sucesso” de Portinari no exterior, o que explica a escolha do tema de abertura do livro, a inauguração do painel Guerra e Paz da ONU, para só depois chegarmos à deliciosa descrição de sua infância em Brodósqui, enquanto ficamos com vontade de saber um pouco mais acerca de questões como a relação conflituosa de Portinari com os defensores do abstracionismo – que acusam o mestre de oficialismo e o vêem como um representante da “academia” -, entre eles o amigo e companheiro político Mario Pedrosa.
Arte e política
“Estou entre os que acham que não há arte neutra. Mesmo sem nenhuma intenção do pintor, o quadro indica sempre um sentido social”, afirma Portinari em entrevista à Folha da Noite e reproduzida no livro.
Por meio dessa e de outras declarações do autor – como a bela descrição que faz dos pés dos trabalhadores das fazendas de café, que tanto o impressionaram e que estão na origem dos membros agigantados, “agarrados ao solo como alicerces”, que tantas vezes pintou nas suas telas e que se tornaram, juntamente com outras imagens perenes, sua marca registrada – ele mostra sua determinação de “dar vida a uma arte nacional”.