Porta-voz dos curdos, escritor Yasar Kemal falece em Istambul

Ele vivia na linha de confronto com os sucessivos governos turcos. Sua idade era incerta, e nem mesmo o escritor Yasar Kemal seria capaz de dizer com exatidão se tinha ou não 92 anos, pois a aldeia onde nasceu na Turquia, Hemite (hoje Gökçedam), não conservava registros de nascimento. Tanto melhor. Kemal, afinal, queria ser um mito como Slim Memed, o menino rebelde de Memed, Meu Falcão (1955), seu romance mais popular entre as duas dúzias que escreveu – dos quais 14 foram adaptados para o cinema. O escritor morreu no sábado, 28, de insuficiência respiratória e arritmia cardíaca, num hospital de Istambul.

Porta-voz dos curdos, Yasar Kemal fez do personagem Memed sua persona literária, ao eleger um menino que luta contra a arbitrariedade de governos tiranos, abandonando a família para combater a opressão nas montanhas da Turquia. Tornando-se líder, Memed vira mesmo um mito entre as camadas populares nesse romance épico. Várias vezes lembrado para receber o prêmio Nobel, Yasar, traduzido para 40 idiomas, não chegou a receber o prêmio, entregue a Orhan Pamuk em 2006, o que eliminou suas chances nos anos seguintes, considerando as campanhas que os nacionalistas turcos sempre fizeram contra o autor, acusando-o de traidor.

Nascido Kemal Sadik Gökceli numa família turca de origem curda, o escritor começou a se interessar por literatura aos oito anos, quando produziu os primeiros poemas, enquanto os homens de sua família desapareciam um a um lutando contra o governo, como seu tio Mahiro, “o mais famoso proscrito da Anatólia”, segundo o escritor. Depois de trabalhar em plantações de algodão e operar tratores no meio rural, arranjou emprego numa livraria em Adana, seguindo, em 1951, para Istambul, onde trabalhou como jornalista. Hostilizado por defender armênios, elegeu-os como personagens em alguns livros.

Denunciando o racismo do governo turco em 1995, ele acusou o regime de mandar destruir aldeias curdas na Anatólia, chegando a ser processado pela acusação. Kemal, cego de um olho desde os cinco anos, quando uma faca escapou das mãos de um açougueiro, deixou uma autobiografia, Yagmurcuk Kusu (Pássaro da Chuva).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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