O filósofo e pensador alemão Theodor W. Adorno (1903 – 1969) dizia que era impossível haver poesia após o holocausto. Apesar da gravidade da frase, ela não se aplica à Curitiba – e ao Paraná como um todo. Celeiro literário profícuo, as terras paranaenses deram luz a importantes vozes da poesia brasileira, como os irmãos Perneta – Júlio (1869 – 1921) e Emiliano (1866 – 1921) -, responsáveis por introduzir o Simbolismo no Brasil, Dario Vellozoo (1869 – 1937) e a poetisa Helena Kolody (1912 – 2004) – que era amiga e admiradora de outro importante nome dos versos do Paraná, o poeta marginal Paulo Leminski (1944 – 1989), considerado por muitos como o maior nome da literatura local.
Mas o passado é apenas parte de uma história que é construída pouco a pouco com os nomes contemporâneos. A prova da força da produção atual está na lista de finalistas do Prêmio Portugal Telecom, na categoria “poesia”, que conta com Guilherme Gontijo Flores, e o livro Brasa enganosa e Rodrigo Garcia Lopes, que disputa com Estúdio realidade.
Garcia Lopes, que também é músico, lembra que a poesia “tem a importante missão de apontar e incorporar outros modos de ver, sentir, ser e estar no mundo. É, sobretudo, a capacidade crítica e na busca do estranhamento ao chamado “mundo real” que a linguagem poética pode cumprir seu papel ideológico de ser intérprete de uma época, de questionar os padrões medianos de sensibilidade e sentido, e de provocar uma ‘ressensibilização’ no leitor e do cidadão”.
Divulgação/Carlos Bozelli |
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Para Rodrigo Garcia Lopes, a poesia ‘ressensibiliza’ o leitor. |
E é, justamente, esse poder de colocar o ser humano em contato consigo que o poeta e tradutor curitibano Fernando Koproski defende. “A poesia não veio dessas faculdades. Ela veio de outro lugar, mais quieto, mais limpo e mais sozinho. Mais sangue e menos vinho. Mais cárie e menos carinho. E quem sabe um dia eu ainda volte por este caminho”, desabafa.
Koproski é devoto dos versos de “Então você quer ser escritor?”, poema do norte-americano Charles Bukowiski (1920 – 1944) e que faz parte da coletânea Amor é tudo que nós dissemos que não era (organizada e traduzida pelo próprio Koproski): “se não estiver explodindo em você / apesar de tudo, / não faça / (…)e você estiver fazendo isso por dinheiro ou / fama, /não faça. / se você estiver fazendo isso porque deseja / mulheres em sua cama, / não faça”. Para o poeta, “radicado” em São José dos Pinhais, a poesia não é um ato de vaidade, longe disso, ela é universal e serve de alimento para a alma do poeta.
Pelas bordas
Poesia não vende. A máxima não é atual, mas ainda faz parte do cotidiano dos poetas. O catálogo das editoras sempre parecem desdenhar da poesia, como se fosse um gênero menor – e, em muitos casos, os contos e as crônicas também recebem olhares de ressaca de publishers. A tendência, infelizmente, é mundial, o que não é um alento e nem serve como desculpa.
Desde o ano passado, com o lançamento de Toda poesia, de Leminski, a poesia conseguiu entrar na lista dos mais vendidos, desbancando os livros mais óbvios. Com o sucesso do paranaense, a publicação de outras duas coletâneas de poetas brasileiros “esquecidos” veio à tona em 2014: Poesia total, do tropicalista Waly Salomão (1943 – 2003) e Poética, de Ana Cristina Cesar (1952 – 1983).
O poeta &eac,ute; um escravo da dupla função, da jornada dupla e das horas a fio de lapidação. Se é difícil (sobre)viver de prosa no Brasil, tentar viver de poesia é quase um suicídio. Para a poetisa e tradutora Josely Vianna Baptista, a situação é diferente. “Não é a poesia que deve sustentar o poeta, o poeta é que deve encontrar sustentação para sua poesia, e acho que isso vale para todas as artes”, explicou a autora.
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A poetisa e tradutora Josely Vianna Baptista não acredita que o poeta pode estar desvinculado da realidade. |
Josely, que possuiu no currículo um Prêmio Jabuti por sua tradução das Obras Completas, de Borges, em 1999, e ficou com o terceiro lugar, em 2012, com Roça barroca – que também ficou entre os finalistas do Portugal Telecom, não acredita na visão romântica de que a poesia e o poeta vivam em um espaço secundário, desvinculado da realidade.
Inspiração e transpiração
A realidade é, na verdade, o alimento do poeta, que o coloca dentro do mundo. Os versos seriam então a sua visão de mundo. Por isso, a poesia nem sempre busca apoio nas teorias e pragmatismos da literatura. Para Fernando Koproski é impossível criar uma poesia sólida se o fazer poético precisa ser sustentado pelo conhecimento teórico.
“A verdadeira poesia não segue a teoria literária, nem os teóricos e muito menos a teoria diluída pelos professores de literatura. A universidade que me desculpe mas a poesia feita por professorzinhos agremiados ao Currículo lattes só late, mas nunca morde”, dispara o poeta, que já debateu o tema em “Universidade federal”, poema presente no livro Retrato do artista quando primavera, lançado neste ano.
Menos radical, Josely acredita que a poesia não precisa, necessariamente, se preocupar com a fonte teórica ou empírica. A coisa vai além. “Nem uma coisa [só teoria] nem outra [só prática]: a poesia de Shakespeare é baseada somente na inspiração? O poeta de cordel lê muita teoria? Fundamental é a construção de uma linguagem; você recebe a tocha, faz seu percurso com ela e depois a passa adiante. Acho que só se pode buscar o novo visitando o passado e de olho vivo no presente”, disse.