O tema do parentesco na política destaca-se em noticiários e debates televisivos, é verdade, mas ocupa também as páginas centrais de estudos, como a dissertação de mestrado de Vanderlei Hermes Machado. Ele examina o poder e as estruturas de parentesco em Campo Largo-PR, com a orientação do professor da UFPR-Universidade Federal do Paraná, doutor Ricardo Costa de Oliveira.
Toda pesquisa utiliza um instrumento de análise. Machado relata ter se servido da genealogia na busca de informações ?acerca da gênese e dos processos constitutivos de grupos familiares. Através dessa ferramenta de pesquisa, podemos traçar a trajetória de uma determinada família em uma região no decorrer dos séculos. Identificam-se os deslocamentos sofridos por ela no tempo e no espaço, seu desenvolvimento quantitativo e qualitativo, a influência de seus membros em uma sociedade, entre outros aspectos?. No entanto, a pesquisa somente torna-se válida se forem utilizados documentos verídicos, que são encontrados em cartórios da região, juntamente com entrevistas e levantamento bibliográfico.
A entrevista a seguir possibilita melhor compreensão da relação social entre parentesco e poder em Campo Largo.
Vanderlei Hermes Machado. |
Zélia – Quais foram as causas de sua escolha do período 1871-2004 como tempo de análise?
Vanderlei – No ano de 1871, Campo Largo foi elevada à categoria de município. A partir dessa data temos a formação dos primeiros quadros administrativos da localidade, com a diferença de que terão um lócus específico para exercer seu poder político através da criação da Câmara Municipal. Seu aparato funcional passa a ser exercido quase sempre por grandes ervateiros, comerciantes varejistas e criadores de gado.
Zélia – Qual a relação das famílias com o coronelismo?
Vanderlei – Estes agentes geralmente detêm patentes da guarda nacional, como tenente-coronel, coronel, capitão, entre outras, constituindo indícios do prestígio social que possuíam na época. Na literatura histórico-política, esse período ficou conhecido como Coronelismo, expressivo também em Campo Largo onde tivemos um ?coronel? que governou a cidade durante 14 anos consecutivos. Este período se estendeu na cidade até meados da década de 1940 aproximadamente. (O nome do coronel era Cesar Torres. Governou Campo Largo de 1914 a 1930, quando foi deposto pela revolução de 1930; em seu lugar foi nomeado o coronel Atílio de Almeida Barbosa. Ambos possuíam comércio de farmácia na região e eram adversários políticos. César Torres era filho do coronel José de Almeida Torres, ervateiro e latifundiário, prefeito de Campo Largo de 1904 a 1908).
O primeiro senhor da direita é o coronel Cezar Torres que governou Campo Largo por 14 anos consecutivos. O quarto senhor é o desembargador Clotário Portugal, descendente de uma família com raízes políticas desde o fim do século XIX. Foto de 1943, cortesia do Dr. Mário Faraco. |
Zélia – Após dois anos de pesquisa, quais as principais relações comprovadas entre parentesco e poder em Campo Largo?
Vanderlei – Constatei a presença de um fenômeno curioso presente no cenário político de Campo Largo. Trata-se da existência de pelo menos vinte e três famílias possuidoras de mais de um membro atuando na esfera executiva ou legislativa, totalizando um universo de 72 indivíduos analisados predominantemente pelas suas linhagens paternas de descendência. Podemos perceber que em algum momento, nas diversas conjunturas sociais do município, essas famílias apresentam características de uma família histórica.
Zélia – Na cidade, as famílias mencionadas ocupam posições de destaque?
Vanderlei – Sim, no comércio, na indústria, em tabelionatos, em organizações partidárias e principalmente em cargos eletivos, como vereadores e prefeitos. Há famílias na região que possuem até sete membros que já foram prefeitos, vereadores, ou ambos, possuindo vínculos políticos que muitas vezes remontam ao século XIX, descendentes de uma população formada basicamente por luso-brasileiros. A imigração no Paraná traz para Campo Largo, por volta de 1870, novos agentes políticos, econômicos e sociais, que de certa forma repetem o mesmo processo, embora demorem aproximadamente 70 anos para figurarem de forma expressiva nos quadros administrativos do município. São membros que poderiam ser chamados de classe dominante da região.
Zélia – Você constatou a confirmação das mesmas famílias políticas nas eleições de 2004?
Vanderlei – No ano de 2004, tivemos o advento das eleições para o preenchimento dos cargos de prefeito e vereador nos municípios do Brasil e pude analisar agentes políticos que pleiteavam uma vaga no poder Executivo ou Legislativo e que possuíam raízes políticas ancestrais na região de Campo Largo. Muitos deles já haviam tido bisavôs, avôs, pais, tios, irmãos, primos que figuraram nos quadros desses poderes ao longo do tempo. Pude analisar também outros períodos entre estas duas datas, como a Era Vargas (1930-1945), o Regime Militar (1964-1985) e o período conhecido como redemocratização (1988 até o presente).
Zélia – Na perspectiva de sua pesquisa, como se apresenta o quadro político de Campo Largo nos dias de hoje?
Vanderlei – Considerando minha pesquisa como parâmetro de análise, acredito que atualmente podemos constatar a presença de três importantes famílias atuantes na direção administrativa do município, todas com um histórico de participação no poder político: a família Basso, na pessoa do prefeito Edson Darley Basso, com raízes políticas que remontam a década de 1970, a família Zanlorenzi, na figura do vice-prefeito Romeu Augusto Zanlorenzi e a família Puppi na Câmara Municipal, através de seu presidente licenciado Marcelo Fabiani Puppi, ambas famílias possuidoras de laços políticos desde a década de 1960. Todas elas descendem de imigrantes italianos, radicados na região durante longo tempo.
A defesa da dissertação de Machado ocorreu em dezembro de 2005, mas agora está em fase de editoração para publicação de um livro. Pessoas interessadas em patrociná-la poderão entrar em contato com vanderleihermes@yahoo.com.br, pois, como me disse Machado, ?pretendo que o livro chegue ao público com o menor preço possível, pois gostaria de compartilhar minha pequena contribuição com o maior número de pessoas?.
Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestre em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. zeliabonamigo@terra.com.br