É muito interessante assistir a certos fenômenos que acontecem no Paraná. Parace ser alguma coisa de rançoso no que toca à evolução cultural, a ponto de sermos chamados, nós, ingênuos paranaenses, de antropófagos de nossas gentes e de nossos valores – aquela célebre antropofagia mencionada por Bento Munhoz da Rocha Netto, um dos nossos mais reconhecidos e expressivos intelectuais.
A primeira Bandeira do Paraná oficialmente adotada constituía um paralelogramo verde pelo qual passava, obliquamente, de cima para baixo, uma faixa branca, em cujo centro uma esfera azul cortada também por uma faixa curva com a inscrição Ordem e Progresso, e dentro da esfera um barrete frígio vermelho e a constelação do Cruzeiro do Sul. Isso se deu em 9 de janeiro de 1892, pelo Decreto Estadual n.º 8 da Junta de Governo Provisório, composto pelo coronel Roberto Ferreira, Joaquim Monteiro de Carvalho e Silva e Bento José Lamenha Lins.
A partir dessa data, a Bandeira paranaense foi objeto de incontáveis discussões parlamentares para, em 1947, durante o governo de Moysés Lupion, uma nova bandeira ser oficializada. Nesta, foram inseridos ramos de pinheiro e mate, e mantido o retângulo verde e a faixa, mas a esfera azul passou a ser cortada pelo topônimo Paraná, substituindo a frase anterior, de inspiração positiva e já constante da Bandeira nacional, um acinte, por pura ignorância, à semiótica, ciência ou arte dos significantes e significados. O Estado do Paraná passava a possuir um flâmula com identificativo escrito Paraná -, como se não lhe bastasse o desenho simbólico de sua personalidade.
Em 1990, Ernani Straube, Euro Brandão e outros interessados na matéria, por si só indignados com a tal faixa alusiva ao topônimo Paraná, absolutamente desnecessário e de certa forma ridículo, promoveram uma reformulação do símbolo, que manteve o retângulo verde, a banda branca e a esfera azul, bem como os ramos de erva-mate (Ilex paraguariensis) e pinheiro-do-paraná (Araucária angustifolia). A esfera também mantém a constelação do Cruzeiro do Sul que se ordena pela posição celeste do dia 29 de agosto de 1853, data da Emancipação do Paraná. As estrelas brancas simbolizam Alfa (Magalhães), Beta (Mimosa), Gama (Rubídea), Delta (Pálaida) e Epsilon (Intrometida). Este estudo foi aprovado em 24 de dezembro de 1990, pela Lei Complementar n.º 52. A Secretaria da Cultura, que apoiou desde o início o estudo e a alteração, era ocupada pelo doutor René Dotti.
Alguma celeuma causou essas modificações, especialmente comandada pelos intelectuais Francisco Brito de Lacerda e Hellê Vellozo Fernandes, em nome de um falso e viciado tradicionalismo. Alegavam que o símbolo antigo bem melhor representava o Paraná. O deputado federal Florisvaldo Fier foi o autor da ação que propôs a retomada dos antigos padrões, como declara a Folha de Londrina, de 29 de maio passado, representado o deputado pelo primeiro intelectual referido neste parágrafo, doutor Francisco Brito de Lacerda.
O Tribunal de Justiça, por meio do relator Osíris Fontoura, considerou, em 1992, procedente a ação impetrada e inconstitucional a Lei Complementar n.º 52. O Supremo Tribunal Federal confirmou, em 1999, a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, e anulou a Lei Complementar. O governador Jaime Lerner já determinou o retorno ao erro do passado.
Espera-se, agora, que os defensores da incúria que representam essa triste decisão, a exemplo do que desejam para o Estado do Paraná, transitem pelas ruas com uma etiqueta colada na testa com nome, identidade e CPF para, com essa simples e absolutamente necessidade identificação, ser reconhecidos com mais facilidades.
Valério Hoerner Júnior
é professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e pertence à Academia Paranaense de Letras.