Contemporâneo de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, o primeiro Planeta dos Macacos foi considerado um marco da ficção científica adulta no cinema. O curioso é deveria ter surgido quatro anos antes, em 1964, e em outro estúdio. Ocorre que a Warner se assustou com o orçamento e desistiu. Foi preciso todo esse tempo para que o produtor Arthur P. Jacobs costurasse um novo acordo com a Fox. Saiu o diretor original, Blake Edwards – sim, o criador da Pantera Cor de Rosa e do Inspetor Clouseau -, que teve, com um colaborador, a ideia do desfecho na Terra, com a Estátua da Liberdade. Entrou Franklin J. Schaffner, que manteve a estátua, e o resto foi o acréscimo de Charlton Heston, que improvisou e disse o diálogo tal como está no clássico de 1968.
Tudo isso é história. O Planeta dos Macacos teve quatro sequências, virou série, teve um remake – bem ruinzinho – de Tim Burton no começo dos anos 2000, e voltou agora com duas aventuras que dão marcha à ré. Depois de Planeta dos Macacos – A Origem, de Rupert Wyatt, chega Planeta dos Macacos – O Confronto, de Matt Reeves.
Há duas semanas o filme ocupa o topo das bilheterias nos EUA e alimenta debates sobre o insumo de violência na série. A cena inicial é brutal – uma armação de filme de guerra, com os macacos perfilando-se para o combate. Não, ainda não é o confronto com os humanos.
O início é uma caçada ao veado na floresta próxima a São Francisco, onde os macacos construíram sua civilização, após o colapso da humanidade pela peste símia, criada em laboratório e que se alastrou como praga. A cena é impactante e vai num crescendo – surge um urso, o macaco fica acuado e, no limite, surgem os assustados humanos, que receberão de César, o macaco falante do primeiro filme, a permissão para regressar à antiga base militar em que a frágil humanidade está sitiada. A situação é periclitante. Os humanos não têm energia e dependem do funcionamento da represa que o grupo de Malcolm (Jason Clarke) descobriu na floresta. Malcolm e César respeitam-se, mas de ambos os lados há os que acreditam e investem no confronto.
A violência corre solta e o diretor Reeves já disse que bebeu na fonte de – quem? – Fernando Meirelles, exortando o espectador a identificar a cena inspirada em City of God, Cidade de Deus. Foram necessários todos esses anos – e filmes – para o macaco chegar à conclusão de que macacos e homens não são, afinal, tão diferentes. Assim como o personagem de Gary Oldman do lado dos humanos, o lugar-tenente de César trai seu comandante e ainda arrasta o filho de César na escalada de violência. E chegamos à reversão da reversão. Em 1968, o objetivo da adaptação do livro de Pierre Boulle era confrontar o espectador com a escalada do militarismo que marcara a década. Stanley Kubrick já alertara contra a bomba em Doutor Fantástico e a frase veemente de Taylor/Charlton Heston é ‘Eles conseguiram’. Eles, os militares, que terminaram por provocar o apocalipse.
Das cinzas da civilização construiu-se o mundo dos macacos e, agora, o que Matt Reeves mostra é que os próprios macacos transgrediram a regra básica de sua civilização – ‘Macaco não mata macaco’ – e estão produzindo o novo apocalipse.
Mais do que no confronto, Planeta dos Macacos termina em suspenso, e outro episódio deve vir por aí, ainda mais com o rio de dinheiro correndo nas bilheterias. O interessante é que o filme começa sem diálogos, demorando bastante até a primeira fala. Mas, depois, macacos e homens não param de falar. César e Malcolm são homens de família, voltados ao diálogo, num mundo de fanatismo em que a palavra é aviltada por meio de provas forjadas (a maneira como Koba, o segundo de César, tenta fazer crer que foram os humanos que atacaram o líder).
Crer ou não crer – em macacos falantes que criam um novo mundo. É mais ou menos como os robôs alienígenas do bem versus os do mal na série Transformers, de Michael Bay, e o quarto filme da franquia, A Era da Extinção, só não é disparadamente o melhor porque a batalha final é massacrante (as cenas em Monument Valley, em contrapartida, são magníficas). Na entrevista que deu ao jornal O Estado de S.Paulo, Bay falou do tempo e do dinheiro investidos na humanização de Optimus Prime e seus Autobots, para dar expressão e mobilidade aos rostos. As máscaras do velho Planeta dos Macacos (de Schaffner) valeram a John Chambers o Oscar de maquiagem. Isso é passado. Desde A Origem, César e seus comandados são produtos das avançadas técnicas de motion capture que Peter Jackson introduziu em O Senhor dos Anéis.
Andy Serkis, que já criara o Gollum, é de novo prodigioso como César. Um dos atores menos conhecidos do mundo, ele permanece quase anônimo escondido atrás dos jogos de máscaras que os diretores desenvolvem para ele. Com Serkis, a arte da interpretação já chegou ao futuro, e só a Academia de Hollywood ainda não percebeu isso, caso contrário ele já teria recebido o Oscar. Pelo Gollum, pelo rei Kong ou agora por César. E há a trilha de Michael Giacchino. Como Reeves, o diretor de Cloverfield, Giacchino é cria do produtor e diretor JJ Abrams. Sobre a trilha original de Jerry Goldsmith, ele compõe uma partitura rica em nuances, do épico ao intimismo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.