Depois de quatro anos do lançamento de seu último álbum, a roqueira Priscilla Novaes Leone, a Pitty, volta a conceber um novo trabalho. Para deleite de aficcionados pelo rock da baiana de 32 anos, Chiaroscuro chega às lojas na próxima semana com um novo conceito – resultado do trabalho desenvolvido pelo conjunto de artistas e músicos num estúdio particularmente considerado como a casa da banda. Em entrevista para O Estado, a roqueira fala sobre a satisfação em gravar.
Produzido por Rafael Ramos, Chiaroscuro foi gravado no Estúdio Madeira -que nasceu da reformulação de um espaço na casa do baterista Duda, que se tornou um “QG” do grupo. Para Pitty, a ideia de usar o espaço para gravar influenciou, não só todo o processo como o resultado de disco, já que toda a equipe se sentiu em casa para produzir.
Além das gravações, o espaço foi usado para a execução de praticamente todos os trabalhos de produção, desde a edição dos vídeos, passando pela capa do álbum, produzida pela artista plástica Catarina Gushiken, até o making off, com as imagens registradas pelos fotógrafos Otavio Souza e Caroline Bittencourt.
O estúdio/casa permitiu que os músicos ficassem mais a vontade para trabalhar. “Como gravamos em casa, pudemos tentar todas as ideias malucas que tivemos. Fazíamos testes de gravação para checar a sonoridade do espaço e o conceito do disco começou a aparecer”.
Pitty ressalta que Chiaroscuro nasceu da necessidade de expressão e foi, de fato, gerado durante vários meses nos quais muitos detalhes foram pensados e outros tantos foram fluindo naturalmente. Para ela, estar à vontade para produzir conforme o sentimento da banda é fundamental para o trabalho.
“A primeira qualidade de um artista, fazer o trabalho da maneira com que ele se sente bem. Acho que idéia de arte é isso, se não for assim, é melhor trabalhar num escritório”, conta.
Reflexo disso, segundo Pitty, é o espaço de tempo entre o último álbum e o que está para ser lançado. “É bom ter um intervalo legal entre os lançamentos. Gosto de colocar várias músicas no rádio, de fazer clipes, de longas turnês… Sei que existe uma cultura do disco de uma música só e até do artista de uma música só, mas essa não é a minha onda”, revela, ao mesmo tempo que critica a “pressa” das gravadoras por novos álbuns nas lojas.
“O tempo entre uma gravação e outra depende do padrão do artista. Hoje, mal se lança um trabalho, em questão de meses já se lança outro. Daqui há pouco o artista não sabe qual é o álbum novo e qual é o velho”, diz. No caso de Chiaroscuro, ela conta que demorou porque estava ocupada com a turnê de Anacrônico, que durou dois anos e com a produção de um DVD.
O álbum
Segundo a cantora, a palavra “chiaroscuro”, que quer dizer claro e escuro em italiano, e que também é uma das técnicas de pintura de Leonardo Da Vinci, traduz o contraste na sonoridade do álbum, com músicas pesadas e leves, influenciadas por diversos ritmos, como soul, tango, bolero e até música erudita.
A onda de Pitty continua sendo o rock venenoso que ela faz com Joe (baixo), Duda (bateria) e Martin (guitarra). O disco novo traz um som com mais nuances. Ela define Chiaroscuro – que traz 11 músicas, seis só dela e cinco com parceiros – como “um CD para se ouvir no fone”.
“São muitos detalhes, várias guitarras em cada música, sintetizadores, coro, efeitos na voz”, enumera. “Até gravamos uma chuva que caiu aqui no quintal e a colocamos em uma música, Só agora. O som foi processado, nem todo mundo vai entender que aquilo é a chuva caindo, mas está lá”, revela. “Esse álbum tem bastante coisas novas. Procuramos um novo conceito, diferente dos o,utros trabalhos, com mais riqueza de instrumentos”, afirma Pitty.
Dentre esses instrumentos, a cantora sita alguns que para muitos não poderiam, teoricamente, ser relacionados ao rock, como a castanhola e o sino. Ao mesmo tempo em que a presença de sons estranhos ao que tange ao ritmo do rock e que sugerem uma certa vanguarda, Pitty relata que foram utilizadas pedaleiras para produzir efeitos de voz. “É um disco de rock. É ouvir e curtir”, garante a roqueira, sem esconder a empolgação pelo trabalho.
Chiaroscuro foi mixado no estúdio Tambor e masterizado pelo gênio Bernie Grundman (Neil Young, Michael Jackson, Dead Kennedys, Beck e outros) em Los Angeles.
Dentre as músicas, Água contida é inspirada numa ária de Carmen, de Bizet, e tem uma pegada de tango com sonoridade a la Tom Waits, explodindo em um refrão rock. Hique Gomez, do grupo Tangos e Tragédias, participa tocando violino.
Em Chiaroscuro, sai a menina má de Teto de vidro (“Eu quero ver quem é capaz/ De fechar os olhos e descansar em paz”) e entra a balzaquiana de Água contida (“Eu, chorando/ Com essa cara toda amassada/ Com esse olho em carne viva, retalhada/ E esse nariz que não para de escorrer”).
“O discurso da gente muda com o passar do tempo. Quando eu era mais nova, usava palavras mais duras, diretas, como se metesse o dedo na cara das pessoas. De um tempo para cá, descobri o poder do sarcasmo: é muito mais chique tirar um sarro”, diz.
A primeira música a ser trabalhada nas rádios e TVs é Me adora, que retrata o que aqui foi dito, e que se ouve durante os 44 minutos do disco. Nas letras de Chiaroscuro, Pitty observa o ser humano, os fatos do cotidiano e os sentimentos íntimos das pessoas vistos por outros ângulos. Tudo apresentado em um discurso direto, mostrando uma compositora confortável em seu papel de se comunicar.