Pioneiros criam academia para manter legado do samba

Toda quinta-feira à noite, Juarez da Cruz, de 78 anos, vai até a sede da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, na zona norte da capital paulista, para uma reunião com 27 pessoas que, como ele, têm na história da própria vida a biografia de pelo menos 30 anos do carnaval paulistano. Durante o encontro, todos eles ficam à disposição de qualquer pessoa que queira buscar informações sobre o carnaval em São Paulo. Eles são os “baluartes do samba”, pioneiros que formam hoje uma academia criada para manter viva a tradição e deixar um legado cultural para as novas gerações.

Na Academia dos Baluartes do Samba, os pioneiros estão sempre prontos a responder sobre as origens, o desenvolvimento, a atualidade e a técnica do carnaval – tudo o que despertar a curiosidade dos visitantes. Entre os acadêmicos estão ex-presidentes de agremiações, carnavalescos, compositores, diretores de harmonia e jurados de desfiles. “São pessoas que fizeram o carnaval durante muitos anos e hoje estão à disposição para dar essa assessoria grátis”, explica Juarez, que é o presidente da academia e está envolvido com samba há mais de 40 anos.

Uma das acadêmicas é a historiadora Maria Apparecida Urbano. Ela foi a “Dona Cida”, primeira carnavalesca de São Paulo, condição que conquistou em 1976, época em que “os dirigentes das escolas eram os mais briguentos, mais mandões, e uma mulher no meio incomodava”, conta. Às novas gerações, em que as mulheres passaram a atuar livremente em todas as áreas, ela relata o machismo que enfrentou durante anos em seu trabalho. A situação só começou a melhorar nos anos 80. Hoje, após 34 anos de samba e passagens por escolas como Vai-Vai, Nenê da Vila Matilde e Unidos do Peruche, ela diz que é muito respeitada no meio.

A Academia pretende criar um banco de dados sobre todas as escolas de samba da cidade, editar livros e fazer documentários sobre o tema. Tocado com recursos dos próprios baluartes, o projeto é complicado porque eles não dispõem de muito material documentado sobre as escolas. O plano dos acadêmicos é obter os dados por meio de entrevistas com quem participou da história ou teve familiares ou amigos ligados ao carnaval paulistano. “Agora a Liga (Independente das Escolas de Samba de São Paulo) não tem essas informações. Quando o trabalho estiver pronto, se você quiser saber sobre a escola que ganhou o carnaval de 1978, por exemplo, vai encontrar”, explica “Sr. Juarez”, como é chamado o presidente da academia.

Bate-papo

A entidade tem especialistas em todos os quesitos de desfile – bateria; samba-enredo; harmonia; evolução; enredo; fantasia; comissão de frente; mestre-sala e porta-bandeira; alegorias e adereços; e também jurados e ex-presidentes de agremiações, como o “Sr. Mello”, presidente de honra do conselho da Vai-Vai, e Magali dos Santos, da Camisa Verde e Branco. O espaço também é aberto para que outros sambistas integrem a Academia. “Só precisa mandar o currículo, mostrar que tem prestação de serviço ao samba. Não tem idade”, explica o presidente dos acadêmicos.

Apesar de concentrar nomes experientes, a Academia ainda está engatinhando – foi inaugurada em dezembro passado e praticamente não houve divulgação. Por enquanto, segundo “Sr. Juarez”, só estudantes procuraram os acadêmicos. Ele acredita que o movimento vai aumentar bastante depois do carnaval, quando os aficionados do samba tiverem mais tempo disponível. Para dona Cida, o que está em jogo é um legado precioso e a própria identidade do samba. “O que a gente procura é formar os jovens com as nossas raízes, com as nossas histórias. Se puder mostrar para um jovem quem foram essas pessoas, o que deixaram, como lutaram, por que foram grandes sambistas, ele acaba aceitando mais as raízes do samba.”

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