Para o artista mineiro Lorenzato (1900-1990), o pintor renascentista Rafael Sanzio era “muito lambido”. A definição foi feita, entre outras coisas, pela própria experiência, na década de 1930, de restaurar um afresco do italiano na Villa Farnesina, em Roma. Lorenzato dizia preferir a obra de outro grande da época, Masaccio, lia o histórico Vida dos Artistas, de Giorgio Vasari (1511-1574), falava cinco línguas, mas viveu por décadas na periferia de Belo Horizonte, sem alarde, com pouco dinheiro. Trabalhou, por muito tempo, como pintor de parede e pedreiro até aposentar-se, forçosamente, aos 51 anos, devido a um acidente. Mais ainda, desde jovem e até morrer, dedicou-se a criar sua arte, à escultura e ao exercício de uma “pintura pura”.
Essa última definição é do professor Laymert Garcia dos Santos, curador da mostra Lorenzato, A Grandeza da Modéstia, que será inaugurada nesta terça-feira, 11, à noite na Galeria Estação com lançamento de livro sobre o pintor e escultor, de autoria de Maria Angélica Melendi. Nas 36 obras expostas, pictóricas, criadas entre as décadas de 1950 e 90, comprova-se o quanto tratou-se de “preconceito” chamar o artista de naïf ou primitivo. Quadros e até um afresco dos anos 80 trazem como motivos casarios, paisagens, árvores frutíferas; composições sempre figurativas porque “ele pinta o que vê”, diz o curador, referindo-se àquela pureza da pintura de Lorenzato. Não se tratam de criações intuitivas, mas realizações de um artista com domínio de técnicas, do uso da cor e da luz. De família italiana, ele viveu na Europa entre os anos 1920 e 1948 e teve formação na Real Academia de Vicenza, além de percorrer museus do Velho Continente.
Mas, ao mesmo tempo, uma leveza floresce em suas composições de “apelo perceptivo e não-intelectual”, feitas do “olhar sereno” para a natureza. Há, por exemplo, um momento fascinante na exposição, uma sequência de vistas de morros e céus de amanheceres e entardeceres (“paixões de Lorenzato”) nas quais o pintor “reduz a figuração” – mas não chega à abstração. A terra está em primeiro plano (e numa das pinturas, ela está impregnada de formas de sombras de árvores). Depois vêm as áreas de azul – ou de vermelho, do firmamento.
É verdade que a mostra, com todas as obras à venda, tem razão mercadológica, mas é a oportunidade de se ver em São Paulo conjunto expressivo da produção de Lorenzato para além de Minas Gerais, onde, de certa forma, ele ficou relegado. Muitas de suas pinturas pertencem a coleções mineiras e uma das poucas instituições com suas peças é o Museu da Pampulha, de Belo Horizonte. Entre os preferidos do escultor mineiro Amilcar de Castro, Amadeu Luciano Lorenzato era um “marginal” das artes, não se prendeu a “ismos”, prezava a liberdade de fazer, mas “estudou bem”, afirma Laymert Garcia dos Santos. E trouxe frecor para a pintura, até mesmo por questão do ofício de artesão da vida simples.
Conta o curador da exposição que Lorenzato usava materiais advindos do trabalho na construção civil – como cal, cimento e massa de colar vitrôs – em suas telas (produzidas por ele próprio com madeira e tecido). O mineiro misturava também cera à tinta de seus quadros (inspirado por técnica de Leonardo da Vinci); desenvolvia, às vezes, a têmpera. Mas a experiência de pedreiro fez Lorenzato criar uma marca única em sua obra, o ato de “pentear” suas composições. “Só ele fez o pente, como o pintor de parede faz na imitação de madeira e mármore”, afirma Laymert. A técnica – “como Van Gogh usava o pincel” – confere “vibração” às suas obras, é “vetor de respiração” no gesto pictórico. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.