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Pintora Marina Rheingantz abre exposição em SP

Poucos artistas jovens ostentam em seu currículo tantas exposições aqui e fora do Brasil como a pintora paulista Marina Rheingantz, nascida em Araraquara há 33 anos, dos quais dez dedicados exclusivamente ao ateliê. Ela já expôs em Nova York e Tóquio, tem obras em coleções americanas, japonesas e portuguesas, além de estar presente em acervos importantes como o do Instituto Figueiredo Ferraz, do MAM do Rio e da Pinacoteca do Estado. Tudo isso tem importância, claro, mas o mais importante é o seu talento incomum e a vocação para a pintura – a prova maior é sua nova exposição, Terra Líquida, que será aberta neste sábado, às 15 horas, na Galeria Fortes Vilaça, com o lançamento do primeiro livro dedicado à trajetória da artista.

Já no segundo parágrafo do livro, o autor do texto, Rodrigo Moura, cita uma das afinidades eletivas de Marina Rheingantz, o pintor carioca Guignard (1896-1962), lembrado pelas paisagens que retratam igrejinhas e casas das cidades históricas mineiras como se essas construções flutuassem num território indefinido entre o céu e a terra. Moura destaca o aspecto inacabado das paisagens de Guignard, no limiar do desaparecimento, que teriam a ver com a pintura liquefeita de Marina – esse aspecto é reforçado na tela de maior dimensão da mostra, Terra Líquida, um charco do sul do País reconstruído como um clube hípico.

O verbo é esse mesmo, reconstruir. Marina, cujo pai seguiu os passos do avô arquiteto, queria ter continuado a tradição familiar. Algo a empurrou para a pintura – ou alguém, considerando que foi aluna de Paulo Pasta na Faap. De qualquer modo, o que se vê em suas telas é uma tentativa de desconstrução da paisagem para entender sua estrutura. Há, por exemplo, uma pintura na exposição que evoca a paisagem de Seven Sisters, os penhascos de giz de Brighton tão explorados nos filmes e nas pinturas do inglês Norman Wilkinson (1878-1971). Mas, ao contrário de Wilkinson, que era ilustrador apegado ao desenho, Marina não busca a representação fiel das falésias, mas o aspecto fantasmático da memória dessa paisagem – há aqui e ali elementos que a identificam, mas são como traços diluídos de uma tela impressionista.

Marina, em sua viagem ao Japão, ficou marcada pelas ‘imagens flutuantes’ do Ukyio-ê, as gravuras japonesas que conquistaram os primeiros impressionistas (Monet) e pós-impressionistas (Van Gogh). No entanto, o que foi essencial para a percepção ocidental do Japão levou a artista brasileira a identificar no outro extremo, a desconstrução da paisagem via geometria, um caminho tão ou mais interessante, que foi o da pintura do norte-americano Richard Diebenkorn (1922-1993), associado ao expressionismo abstrato dos anos 1950.

No livro, a tela Pedalinho, de 2007, e Seven Sisters, uma das primeiras pinturas da série dedicada aos penhascos de Brighton, de 2008, ano de sua primeira exposição na Galeria Fortes Vilaça, seguem essa paisagem reduzida ao mínimo de elementos de Diebenkorn. Ele teve um enorme impacto sobre a pintora brasileira, assim como Matisse sobre o americano – reverberando até hoje na pintura contemporânea. Marina tem orgulho de pertencer a essa tradição. “Somos uma continuação, um desdobramento”, diz, citando outro norte-americano que fez carreira na Inglaterra, James Whistler (1834-1903), criador do tonalismo, ao lado de outros pintores sem formação erudita com os quais mantém vínculo afetivo: José Antonio da Silva (1909-1996) e Ranchinho (1923-2003).

Marina Rheingantz tenta mesmo se equilibrar entre a paisagem quase minimalista de Whistler e a afirmação matérica da pintura de Ranchinho. As telas maiores estão no primeiro caso. Já nos trabalhos de pequena dimensão, a massa de tinta afirma o legado do informalismo europeu sem esquecer o brutalismo de Ranchinho.

A exposição Terra Líquida aponta também para outras direções. Na parte superior da galeria destacam-se pinturas em linho e pequenas obras inspiradas na tapeçaria étnica marroquina (mais uma vez, a evocação de Matisse). “No ano passado, passei três meses em Londres e descobri esses tapetes assimétricos do Marrocos”, conta, explicando a origem das pequenas paisagens que são reduzidas a elementos geométricos como o triângulo. Detalhe: não é o Marrocos, mas o México que ela homenageia com esses novos trabalhos.

A localização importa pouco. Há na mostra uma paisagem das dunas do Piauí das quais emergem lápis de cor enterrados por amigos. Uma das mais harmônicas pinturas, um tufo de relva numa praia de Ubatuba, poderia ser qualquer outro lugar. É fruto de um pentimento provocado pela dúvida sobre o uso do ouro na paisagem – consagrado pelos pintores Kano, escola de pintura japonesa da qual os melhores exemplos datam do século 16. “Para mim, o pentimento cria a história do trabalho, a construção da imagem a partir da experiência da cor e dos materiais”, argumenta, justificando a obsessão quase arqueológica em fazer emergir a cor que foi apagada num momento de indecisão. Camadas de tinta se sobrepõem até que a paisagem se afirme. É um processo natural, que nem ela pode deter. Nem quer.

TERRA LÍQUIDA

Galeria Fortes Vilaça. R. Fradique Coutinho, 1.500, tel. 3032-7066. 3ª a 6ª, 10h/19h; sáb., 10h/18h. Abre no sáb. (5), às 15h. Até 22/12

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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