Considerado por muitos críticos o principal pintor de sua geração, o paulista Paulo Pasta, de 59 anos, realiza duas exposições em março: a primeira, Projeto e Destino, será aberta nesta quinta-feira, 22, no Instituto Tomie Ohtake, com curadoria de Paulo Miyada, reunindo 13 telas de grandes dimensões. No sábado, 24, Pasta inaugura individual no anexo da Galeria Millan, Lembranças do Futuro, síntese de sua produção recente – mostras que evidenciam pontos de interferência da cultura clássica na contemporânea.

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Não por acaso, o título escolhido para a exposição do Instituto Tomie Ohtake faz referência ao livro homônimo, Projeto e Destino, do crítico e historiador italiano Giulio Carlo Argan (1909-1992), escrito em 1964, ensaio bergsoniano sobre a angústia do artista contemporâneo ao fixar um presente no qual ele quer agir, mas que, observa Argan, “continuamente lhe escapa”. Fazendo suas as palavras do filósofo francês Henri Bergson (1859-1941), o italiano conclui que o presente “não é senão um futuro que transcorre no passado” – o que justifica plenamente o título da segunda exposição de Pasta, Lembranças do Futuro.

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O homem histórico, segundo Argan, é o homem da invenção, ou seja, o homem que sob nenhuma hipótese pode admitir a repetição. “Quer que a experiência caminhe”, assinala o crítico, concluindo que repetir é perder tempo. Logo, as duas exposições de Pasta se diferenciam não só pelas dimensões das telas, mas pela busca de novos caminhos que só podem ser abertos com o conhecimento do passado – e não é por outra razão que o procedimento artístico do pintor está ancorado numa poética austera de reverência às grandes conquistas da história da arte (do Renascimento a Cézanne, passando pelos paisagistas da escola de Barbizon).

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O projeto, na concepção de Argan, é, no sentido exato do termo, estrutura. Ele exprimiria, ainda segundo o crítico, a virtualidade da condição presente, “uma vez que a estrutura é inconcebível como forma acabada e imóvel”. Isso explica a razão de Paulo Pasta estar sempre em busca do inaudito, a despeito das referências renascentistas – e é possível identificar nelas uma gama cromática espontaneamente arcaica. As telas das duas exposições são contemporâneas também por buscar a essência do fenômeno da cor, do projeto interno que organiza essas pinturas.

O curador Paulo Miyada observa que a obra artística de Pasta “não adere integralmente ao passado, apesar de evocar a história”. É possível identificar, segundo ele, a lembrança do cromatismo de pintores como Rubens, Tintoretto, Morandi ou Volpi, “mas também a memória dos muros e fachadas de bairros populares brasileiros”.

Nas pinturas que estarão expostas no anexo da Galeria Millan, realizadas no último ano, o espectador vai notar a presença de tons mais escuros, mas que nem por isso abdicam da construção arquitetônica das telas de maiores dimensões expostas no Instituto Tomie Ohtake. No começo da carreira (meados dos anos 1980), essa construção recorria a ogivas de natureza gótica, simultaneamente afirmadas e negadas por meio de riscos, rabiscos e retirada das camadas pictóricas, como numa escavação arqueológica da própria história da pintura.

Nos anos 1990, com a ordem monocromática superada, surgem as vigas e colunas, simplificadas no século 21 por linhas horizontais e verticais como se a tela fosse uma planta, o projeto de uma função mondrianesca – e há uma correspondência insuspeitada de que o espaço representado na telas de Pasta não seja apenas o renascentista (sendo sua referência principal a construção arquitetônica de Piero della Francesca). Seu esquema do campo cromático não é puramente geométrico, esquemático, como em Mondrian, mas busca a precisão de uma cor que, misturada ao ponto do irreconhecível, ainda assim mantém uma inequívoca pureza como na obra de Duccio, expoente da escola sienense.

A grande revelação nas pinturas de grandes dimensões de Pasta, aliás, é a reinvenção da composição arquitetônica (e das cores) de Duccio (inspirada na tradição bizantina) com o olhar que só um contemporâneo habituado a observar a construção urbana pode ter. Entram na composição linhas diagonais na parte superior das telas que lembram a Anunciação do mestre de Siena no acervo da National Gallery (sem o anjo Gabriel e a Virgem Maria). Pasta cria, enfim, um novo espaço sagrado sem figuras hieráticas, abolindo o tempo, mas reverenciando a arquitetura do homem.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.