Pinacoteca exibe 106 obras criadas por artistas negros

A primeira obra de um artista negro a entrar para o acervo da Pinacoteca do Estado foi o autorretrato de Arthur Timótheo da Costa, um pequeno e belo óleo sobre tela de 1908 doado em 1956 pelo colecionador Benjamin de Mendonça. O museu já existia há 51 anos, mas o diretor da instituição, Tadeu Chiarelli, também enumera outras “curiosidades” ao redor dessa questão. Por exemplo, que a segunda criação de um afrodescendente a integrar a mesma coleção foi outra pintura de Timótheo da Costa, Cigana (1910), doada em 1965. Mais ainda, que as próximas aquisições nessa linha ocorreram apenas a partir de décadas depois, nos anos 1990, com a gestão de Emanoel Araujo, agora homenageado.

Como ampliar o acervo de um museu?, pergunta Chiarelli – e ele mesmo responde que uma das estratégias é “expandir núcleos”. Com a inauguração, neste sábado, 12, da exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca, o visitante vai encontrar, afinal, 106 trabalhos de criadores negros brasileiros, o que significa a totalidade da coleção nesse aspecto proposto. Entretanto, a mostra “abre uma porta”, afirma o diretor do museu, para uma série de reflexões, que também serão trazidas para um seminário já marcado para março de 2016.

É uma exposição surpreendente. Primeira curadoria de Tadeu Chiarelli desde que assumiu a direção da Pinacoteca, em abril deste ano, Territórios compõe-se pela apresentação de “três ilhas” unidas pelo fato de os artistas participantes delas serem afrodescendentes. “Minha opção foi trabalhar com alguns aspectos que me chamaram a atenção”, explica o historiador e professor sobre a investigação da coleção do museu. As peças são expostas não em sequência cronológica, mas por meio de diálogos e correspondências. “É como uma não-história, fracionada”, elucida o curador.

No espaço central do quarto andar da Estação Pinacoteca, estão, sobretudo, obras que representam, como diz Chiarelli, “todo o trabalho de adaptação de artistas afrodescendentes às normas da arte europeia, da arte que surge das academias”. Destaque para as pinturas de Arthur Timótheo da Costa (1882-1923), mas também para as paisagens de Miguelzinho Dutra (1810-1875) e para as naturezas-mortas de Estêvão da Silva (1845-1891). Ninfa Eco e Caçador Narciso, esculturas em bronze de Mestre Valentim (1745-1813), são referências históricas, entretanto, o núcleo ainda abriga xilogravuras dos anos 1960/70 de Emanoel Araujo – artista e primeiro diretor negro da Pinacoteca (entre 1993-2002) e criador, em São Paulo, do Museu Afro Brasil, abrigado no Ibirapuera -, criações de Antonio Bandeira e de Maria Lídia Magliani (1946-2012), uma das únicas representantes das mulheres na mostra, sendo acompanhada nesse sentido apenas por Rosana Paulino.

A artista contemporânea paulistana, aliás, é autora de uma das mais importantes obras da exposição, Parede da Memória (1994-2015), adquirida há pouco. O trabalho de Rosana, um painel com 1.500 pequenas peças de tecido costurado sobre as quais rostos de negros são estampados por fotocópia e aquarela, é contundente e delicado, transformando-se em um dos pontos-chave de outro núcleo de Territórios, dedicado a apresentar uma matriz originada nos anos 1990 de criadores “que trazem não a questão da identidade individual, mas a da identidade coletiva do negro no Brasil hoje”, define Chiarelli.

Foi essa “ilha”, na verdade, que se tornou o gatilho da exposição por incluir justamente as aquisições recentes que o museu realizou de criações de afrodescendentes contemporâneos. Nesse segmento, estão, por exemplo, a escultura Nessa terra, em se plantando tudo dá (2015), de Jaime Lauriano, cujo elemento central é uma muda de pau-brasil; assim como trabalhos de Sidney Amaral e de Rommulo Vieira Conceição.

Por fim, a mostra se encerra com uma sala onde está exposta uma das seções mais destacadas da coleção da Pinacoteca, ou seja, a das “matrizes africanas”. Elementos da cultura da África dialogam com a arte construtiva brasileira nas serigrafias e objetos de Rubem Valentim (1922-1991) e na potente Tributo a Louise, de Emanoel Araujo, obra que faz homenagem à escultora Louise Nevelson e foi doada este ano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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