Piada histórica

O quadro É muita história, que passou a ser apresentado no Fantástico, não faz jus ao talento de Eduardo Bueno. O jornalista gaúcho se tornou conhecido em todo o País graças à série de livros que escreveu sobre a história do Brasil. A viagem do descobrimento, Náufragos, traficantes e degredados e Capitães do Brasil venderam mais de meio milhão de exemplares juntos, graças ao tom informal da narrativa e que contam mais a respeito de períodos da história brasileira que pouca gente conhece. Na verdade, o passado do Brasil ainda é um mistério para a maioria da população e qualquer programa de tevê sobre o assunto é mais do que bem-vindo.

Bueno procurou transformar a história oficial do País em algo menos formal e mais próximo do dia-a-dia das pessoas. No primeiro episódio, dedicado à Independência do Brasil, ele desenvolve a tese de que Dom Pedro a teria proclamado no dia sete de setembro mais motivado por razões pessoais do que por questões políticas.

A versão tem seu charme, especialmente por humanizar personagens de uma mitologia nacional. Dom Pedro deixa de ser o grande herói e se torna um mulherengo que, sob o efeito de uma infecção intestinal e a recusa sexual de uma escrava a seus assédios, proclama a independência. Talvez o caso não tenha sido bem escolhido, porque poucas personalidades de nossa história foram tão satirizadas quanto o ?mulherengo? Dom Pedro e o ?comilão? Dom João VI, seu pai.

Por diversos motivos, é comum o brasileiro criticar a si mesmo e ao País, cujo passado teria determinado nossa maneira de ser. Há uma certa desculpa para nossos improvisos, arremedos e precariedade por uma história simplória que moldou o País do presente.

Nada mais distante da realidade. Como Pedro Bial, apresentador e diretor do quadro, e Eduardo Bueno frisaram, toda história é uma construção do passado, na qual escolhemos certos acontecimentos e personalidades como símbolos nacionais. Mesmo sentimentos de nacionalidade são construídos. Mas insistir na idéia de que nossa independência é fruto de ?um dia de fúria?, transforma a história em uma sucessão de situações aleatórias, sem dar a devida importância às condições sociais, econômicas e políticas. O estresse da viagem do Rio a São Paulo e os problemas pessoais podem ter tido influência na decisão de declarar independência, mas reduzir a escolha do sete de setembro a esses acontecimentos esvazia a emancipação de um sentido mais amplo.

Não custa lembrar que antes de Dom Pedro o Brasil teve a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana e a Revolução Pernambucana. Diversos acontecimentos políticos levaram à aproximação do príncipe da elite rural do País. Finalmente, entre 1811 e 1825, 10 países sul-americanos declararam independência. Saber por que foi no dia 7 pode ser até divertido. Mas é irrelevante.

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