Philip Roth, às vezes, é sisudo, mas também capaz de gargalhar

O homem não sorri, me avisaram. Ele se recusa a sorrir para a câmera, pode pesquisar. De fato, no meu primeiro encontro com Philip Roth para este jornal, em 2009, ele está sisudo nas fotos. A ocasião era o lançamento brasileiro de Indignação, segundo romance de sua série final de quatro, que ele haveria de agrupar informalmente como as “nêmeses”. A entrevista foi marcada no escritório do mais poderoso agente literário da língua inglesa, Andrew Wylie, com todo o controle e assepsia que governa a interação entre artistas e jornalistas hoje.

Esta repórter seria uma de vários que teriam meia hora de acesso a Roth, instalado num sofá com uma expressão de quem fazia uma concessão. “De que livro estamos falando hoje?”, perguntou, deixando claro seu interesse pelo ritual conhecido. E quem poderia culpá-lo? Roth não se interessa por mídia de massa nem por literatura contemporânea.

A conversa transcorreu econômica, cordial, e, enquanto empacotava o equipamento, ele me pediu uma dica de restaurante brasileiro em Newark, sua cidade natal em Nova Jersey, que tem uma grande colônia de imigrantes do Brasil e de Portugal. A informalidade com o gravador desligado ficou na minha memória.

No ano seguinte, quando a imprensa disputava entrevistas com Roth para o lançamento de A Humilhação, fiz uma sugestão ao então editor Rinaldo Gama. Para que se submeter ao mesmo ritual da fila de entrevistas? A Humilhação tinha sido recebido como uma obra menor do maior escritor vivo dos Estados Unidos.

Escrevi à agência Wylie sugerindo levar Philip Roth a Newark para passar uma tarde. Ou será que ele poderia me receber em sua casa em Connecticut, onde costumava morar durante a primavera, verão e parte do outono? Acreditei que iam rir da cara de pau ou, como diriam na família judia de Roth, chutzpah, em ídiche. E não é que recebo um e-mail com instruções para ir a Kent, em junho de 2010?

A segunda entrevista foi mais fascinante e mais reveladora. E também um desafio. Convoquei não um fotógrafo (“Não fotografe durante a entrevista, ele não gosta”, alertaram) mas meu colega e cinegrafista Sean Conaboy. Comprei uma câmera e Sean foi lendo o manual na estrada para fazer seu papel de fotógrafo.

Na mala do carro, levávamos todo o equipamento de TV. E, no banco de trás, levávamos também Franklin, um cachorro Corgi, que estava sob meus cuidados naquela semana e não conseguimos providenciar, em cima da hora, outra pessoa para cuidar dele. A terceira infração potencial era o fato de que tinha obtido, através de um conhecido de Roth, o manuscrito de Nêmesis, até agora seu romance final, então ainda inédito nos Estados Unidos.

Relaxado nas sua cadeira Eames, Roth deixou o cinegrafista montar a câmera e começar a gravar desde a primeira pergunta. Deu várias gargalhadas durante a entrevista e se mostrou surpreendentemente vulnerável ao falar da infância e da morte trazida pela poliomielite, tema de Nêmesis.

Quando terminamos, mencionei a morte, dias antes, do Prêmio Nobel de Literatura José Saramago e perguntei se Roth desejava um Nobel. Ele me levou para contemplar as macieiras centenárias do jardim e disse: “Olhe em volta, preciso de algo mais?” O sorriso melancólico me encheu de arrependimento pela indelicadeza da pergunta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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