Pesquisadores analisam o medo e o estranhamento do outro

d4a.jpgPesquisadores de diversas partes do Brasil pesquisam os medos. Em João Pessoa, estudiosos do GREM-Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Emoção da UFPB-Universidade Federal da Paraíba, escreveram o livro Medos corriqueiros e sociabilidade, organizado pelo antropólogo e coordenador Mauro Guilherme Pinheiro Koury, que atua também na antropologia urbana, na antropologia das emoções e na antropologia visual e da imagem.

O livro se baseia em uma pesquisa em andamento, e tem como objetivo discutir as formas de sociabilidade, isto é, de interação criadora de formas societárias em um tempo e em um espaço determinado, no caso, a cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, bem como o uso do espaço e as bases da construção social do medo no imaginário do homem comum e morador da cidade. O Grem surgiu em 1994 e objetiva compreender os costumes, comportamentos, atitudes, percepções, representações e imaginários do homem ocidental contemporâneo.

Em outras cidades, temas semelhantes chamam a atenção dos pesquisadores. Na Pós-Graduação da UFRGS-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo, existem pesquisas sobre medos, coordenadas pelas professoras Cornélia Eckert e Ana Luiza Carvalho da Rocha, semelhante em abordagem à linha de pesquisa seguida pelos estudiosos de João Pessoa, embora com universo diferenciado. Lá se trabalha mais com recorte da relação cidade e segurança, explica o antropólogo, enquanto na UFPB se trabalha com o processo de sociabilidade em geral, com ênfase nos conceitos de segredos, estranhamentos e reações.

O medo é objeto de estudo também em outras pós-graduações. Na de Serviço Social da PUCSP-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, desenvolvem-se estudos voltados à questão da violência social. Na pós-graduação da UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte trabalha-se a questão dos medos, porém dentro de uma perspectiva de ?fratura social?, uma nova linha da sociologia francesa que discute relações sociais a partir da relação sociologia e psiquiatria social, fora diversas linhas de pesquisa que discutem de fato a questão da violência, da segurança pública correlacionando com a categoria medo.

Os pesquisadores de João Pessoa ?entendem o medo como fenômeno histórico e socialmente construído; os medos compõem, enquanto categoria analítica do social, importantes e significativos elementos para compreensão da interação humana, através dos quais permitem pensar o processo de individuação e individualidade dentro de uma ideologia individualista?, define Koury.

Entre as grandes mudanças ocorridas, a partir da década de 70, no Brasil, e, na década de 80, em João Pessoa, a fragmentação da tradição, a concorrência no mercado de trabalho e a busca desenfreada do futuro são causas de sofrimento e de distanciamento entre as pessoas, explica Koury. E isto cria ambigüidade nas relações: ocorrem ao mesmo tempo insegurança e desejo de aventurar-se em direção do outro desconhecido.

Para o antropólogo, ?a discussão da individualidade na contemporaneidade ocidental e sua conseqüência lógica colocam o individualismo enquanto categoria ideológica da modernidade em evidência, isto é, o indivíduo no processo de descoberta do outro e de si próprio, e faz emergir situações plenas de desconfiança na busca de compartilhamento e de confiança no outro?.

Em João Pessoa, que triplicou sua população entre os anos de 1980 a 2000, os bairros tradicionais receberam novas configurações que ?fazem do lugar um lugar onde o sentimento de pertença parece se colocar sob suspeita, ou seja, os sujeitos, habitantes do lugar, passam a estranhar o ambiente onde sempre moraram e a não se reconhecer nele, ou a ter dificuldade de identificar seus mapas simbólicos, isto é, seus pontos de referência sentimentais de apropriação de um espaço-tempo social, na atual estrutura urbana local?, destaca Koury.

No interior deste processo, explica o antropólogo, aqueles que sempre moraram na cidade começam a estranhar o desconhecido que trafega pelas ruas, que mora ou trabalha no mesmo prédio, aqueles que são vizinhos e não se vêem ou mal se falam, aqueles que desrespeitam as pessoas, principalmente os mais velhos e as crianças, de tal forma que se cria uma espécie de paranóia da insegurança. Muros sobem e isolam os indivíduos no privado das habitações contra o público ameaçador das ruas; a injeção de aparelhos de segurança eletrônica ou animal (cachorros, etc) decorre do medo do ?bandido??, do ?drogado??, do ?assaltante??, do trânsito, ou seja, todos os desconhecidos que trafegam nas ruas ou que se cruzam nas calçadas são potencialmente inimigos…?

Estudar o medo, refere Koury, é uma forma de ?recuperar a inter-relação indivíduo-sociedade, a qual se torna um dos suportes analíticos necessários à compreensão da sociedade humana?.

Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. zeliabonamigo@uol.com.br

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