“Eu sou aquele que o tempo não mudou, embora outro, eu sou o mesmo”, canta Péricles Cavalcanti, em Dos Prazeres, Das Canções, faixa que abre seu primeiro disco próprio, chamado Canções, lançado em 1991, quando sua carreira como cantor e compositor já estava prestes a chegar à maioridade, com 17 anos. Ali, na primeira música lançada sob o seu nome, ele examina o próprio ofício. “Eu sou um mero sucessor / A minha estirpe sempre esteve ao seu dispor”, diz outro verso, antes de enfileirar nomes de alguns dos maiores da arte de colocar a caneta no papel e criar uma canção. “Sou Herivelto, sou Caymmi / Eu sou Sinhô / Eu sou Valente, eu sou Batista / Eu sou Noel, eu sou Heitor / Dos prazeres, das canções, eu sou doutor / Nos sentimentos de alegria e de dor.”

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Se houvesse um título de graduação de compositor para Cavalcanti, ele teria doutorado sem precisar sentar em uma sala de aula. Doutor da canção. Singelo, sem exageros e temas pesados. Versos leves, acima de tudo. Leveza, aliás, que dá nome à metade da nova turnê do músico carioca criado em São Paulo, iniciada na noite desta sexta-feira, 19, no teatro do Sesc Pompeia, às 21h.

Aos 69 anos, Cavalcanti decidiu dar ao projeto o nome de Leve & Solto por ser capaz de representá-lo como artista e, ao mesmo tempo, dar uma ideia ao público do que esperar. Ele subirá ao tablado do teatro – formato que lhe permite algo mais intimista, como ele garante -, com outros dois músicos, sem a presença de um baterista ou percussionista, Pipo Pegoraro e Marcelo Monteiro. O primeiro divide com Cavalcanti as funções ao violão e baixo, enquanto o segundo produzirá as narrativas com instrumentos de sopro, como flauta e saxofone. Bateria eletrônica e MPC entram em momentos circunstanciais do show.

“Partindo do meu repertório, é fácil ver que são canções leves, mesmo. Até mesmo as filosóficas são bem-humoradas”, explica Cavalcanti. “O ‘Solto’ do título tem a ver com o repertório. É muito abrangente. Tem desde a primeira música minha gravada até canções inéditas. Dentro disso, pretendo mostrar algumas faixas gravadas pelos outros, mas que eu nunca registrei, como Aconteceu, que Adriana Calcanhotto gravou.”

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Serão, no repertório, cinco canções nunca mostradas ao vivo. Quatro composições inéditas de Cavalcanti, duas baladas e outra em inglês, além de uma surpreendente versão para Back to Black, de Amy Winehouse. “Ela era uma cantora na essência, então, há muitas frases de tamanhos diferentes. É uma versão interessante, porque consegui seguir alguns versos de forma literal, outros precisaram ser adequados.”

A adaptação para a versão de trio, sem percussão essencialmente, foi determinante para a escolha de determinadas canções, conta o cantor e compositor. “Tinha reunido umas 40 canções”, ele revela. “Mas elas foram saindo do repertório conforme percebíamos que elas não se encaixavam.”

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A preocupação com uma linha narrativa e estética tem uma razão. A ideia é transformar Leve & Solto em um álbum. “Acredite, mas eu não tenho um disco ao vivo”, ele diz, surpreso por perceber a própria “falha” na discografia de uma carreira que, embora longa, tem poucos discos próprios – Leve & Solto seria o oitavo álbum dele, se fossem incluídos projetos como a trilha do filme Mil e Uma (1994), de Suzana de Moraes, e o livro/disco O Canto das Musas.

A carreira de Cavalcanti seguiu seu próprio rumo, sem pressa ou ansiedade. Passaram-se 42 anos desde que Gal Costa gravou Quem Nasceu, de autoria dele, no disco Temporada de Verão, em companhia de Caetano Veloso e Gilberto Gil, e, como os mais experientes, ele vê o ofício com simplicidade. “Compor não é assim tão complicado. Se fosse, poucas pessoas compunham”, ele diz, rindo. “Agora, compor bem é outra coisa.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.