Júlia Murat apresentou no fim, de semana, na competição do Festival de Brasília, seu longa que concorre aos Candangos. Na quinta, 21, Pendular estreou em salas diversas, incluindo São Paulo e Rio. Neste fim de semana, Júlia volta a Brasília para apresentar, fora de concurso, o documentário Operações para Garantia da Ordem, em parceria com Miguel Antunes Ramos. A mídia e os protestos de rua em 2014. Antes mesmo de falar sobre Pendular, a diretora (e corroteirista) comentou, a pedido do jornal “O Estado de S. Paulo”, a recepção brasiliense a seu longa. “Foi muito boa, mas começamos o debate muito tensos, por tudo o que havia ocorrido.”
O que ocorreu é que, também no fim de semana passado, Daniela Thomas, parceira de Walter Salles, apresentou, em competição, Vazante e o filme foi massacrado no debate. Vazante é sobre um a garota, quase uma menina, que se casa com um senhor de escravos, no interior do Brasil colonial. Ele quer uma esposa, ela ainda brinca de boneca. Carente, envolve-se com um jovem escrevo. O resultado é trágico, mas a verdadeira tragédia é que Daniela, uma mulher inteligente e sensível, foi decretada inimiga pública número um por seu duplo foco incorreto – nas questões da mulher e do negro.
Os debates andam acirrados, e não apenas em Brasília. Nas redes sociais, está todo mundo se matando, pró e contra – de Temer à política econômica, à prisão do ex-presidente Lula, ao candidato do Brasil no Oscar, etc. Nesse quadro, o filme de Júlia Murat é um daqueles objetos não identificados que, às vezes, aterrissam no cinema brasileiro. Um filme sobre a busca da harmonia… “Não, da harmonia não, do equilíbrio”, ela corrige, mas não pense que, por isso, Júlia já o fez pensando em refletir o momento atual. Ela própria ri de seu processo lento. “Comecei esse filme em 2011, há seis anos, quando estava iniciando minha relação com o Matias (Mariani, corroteirista). Vínhamos cada um da sua história e, de alguma forma, se desenhou esse filme, que não é autobiográfico, sobre um casal de artistas que tenta resolver suas diferenças encerrado num estúdio.”
Ele, escultor, ela, bailarina. Rodrigo Bolzan e Raquel Karro (que veio da ginástica, do Cirque du Soleil). Nenhum dos dois personagens tem nome. Ele cria esculturas enormes, ela ensaia coreografias mais leves. Interagem e, no final, a criação dele muda. “Trabalhamos nisso porque dança e escultura constroem sentimentos mais que discursos. A racionalização não é impositiva porque nada é 100% claro”, diz Júlia. Mas seis anos de gestação! “Foram de gestação mesmo porque, durante o processo, tivemos duas filhas, e eu estava grávida da segunda enquanto filmava.” A montagem? “Foi outro parto. Gosto de fazer as coisas no meu ritmo.” Pendular é um filme plástico, bonito. Nasceu sob a influência de uma performance de Marina Abramovic com o marido, Ulay, em 1980. Há 37 anos – Rest Energy.
Mesmo que não ganhe nada em Brasília – mas as chances são boas -, Pendular já foi premiado pela crítica internacional (Fipresci) como melhor filme da Mostra Panorama no Festival de Berlim, em fevereiro. A crítica mundial não se ocupou de um aspecto nada negligenciável do filme de Júlia. A idealização do mundo dos artistas. Eles estão ali isolados, criando e fazendo sexo. Em Brasília, chegou a surgir a questão – o sexo foi verdadeiro? “Não, mas na minha próxima ficção, Regra 34, sobre sexo na internet, terá de ser.” Nenhuma questão sobre quem paga a conta das esculturas e do imenso disco sobre o qual se elabora a coreografia do desfecho. Outra coisa. O mundo externo participa como som. “Sim, nosso som foi muito elaborado”, esclarece a diretora. Quando a câmera sai à rua e o filme se torna documentário, a primeira imagem é de um homem sem braço. Júlia não o colocou ali, mas o incorpora à sua visão. A imperfeição do mundo vs. a perfeição – ou pelo menos equilíbrio – da arte? Em Brasília, o tema sequer chegou a ser levantado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.