Diante de tantas produções tão rasas culturalmente na tevê aberta, retratar as ideologias da geração que viveu os sombrios anos da ditadura militar e todo o pluralismo cultural da época é um avanço. Queridos amigos traz à tona não só a exaltação da amizade. Baseado no livro Aos meus amigos, de Maria Adelaide Amaral, a trama adaptada pela própria autora é uma espécie de alerta aos jovens cada vez mais afastados de causas políticas ou interesses coletivos. Sem tropeçar num enfadonho didatismo, o objetivo inicial da produção é mostrar a disfarçada opulência da simplicidade, reforçando a máxima utilizada na moda: ?menos é mais?. Desde o cuidadoso, bem acabado e quase imperceptível figurino, isento de possíveis caricaturas, até as mais contestadoras canções da trilha sonora – que passa por Janis Joplin, Elis Regina, Milton Nascimento e Chico Buarque – a minissérie emociona.
Dan Stulbach, na pele do bem-sucedido publicitário Léo, não poderia estar melhor no papel. Com uma devotada dedicação ao personagem, sua atuação está à flor da pele. O ator passa a doçura e a firmeza necessárias à compreensão de um homem que acaba de descobrir que está à beira da morte. Ao seu redor, um elenco que cresceu na época mais amarga da história do País. Débora Bloch, como a angustiada Lena, Luiz Carlos Vasconcelos, na pele do sofrido Ivan, Bruno Garcia e seu derrotado Pedro se destacam ao lado de Matheus Nachtergaele, que cresce a cada aparição do engajado Tito, apesar do texto tão incomodamente anacrônico de seu personagem. Todos absolutamente imbuídos do comportamento apreensivo e esperançoso que pairava no final dos anos 80s.
O clima de ?sobreviventes de Woodstock? também está presente na caprichada produção de arte de Eduardo Feijó. Com referências minuciosas em objetos e cenários, o conjunto da obra parece uma afinada orquestra regida pela diretora Denise Saraceni. Seus jogos de reflexos mostram ângulos e ritmos de cena bastante criativos.
Os detalhes chamam atenção na produção que estreou com satisfatórios 23 pontos de média e 41% de participação, como a referência a um dos filmes que mais marcou a década. Em uma cena, a professora Flora, de Aida Leiner, faz uma alusão a Asas do desejo, de Wim Wenders, longa que se passa em Berlim, cenário de um dos momentos mais impactantes da década: a queda do Muro. Esses pormenores tão relevantes e que trazem credibilidade à produção são propositalmente diluídos a cada cena.
O ritmo lento e muitas vezes arrastado de alguns ?takes? são recursos da diretora para sobressair o foco principal da história: colocar uma lente de aumento nos dramas humanos. Como os conflitos profissionais e pessoais entre os personagens. Quase todos se mostram divididos entre as ideologias políticas e as possibilidades de consumo, como se uma coisa invalidasse a outra. Com isso, a trama retrata uma discussão que hoje pode ser considerada ?retrô?: os que sonhavam com um mundo de igualdades não poderiam desejar bens materiais por temerem ser considerados burgueses. Ou seja, pairava uma certa inocência ideológica que Maria Adelaide conseguiu transmitir com sutileza em personagens quase sempre leves, sem lenços e sem documentos.
Queridos Amigos – Rede Globo – Terça a sexta, às 22:30 h.
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