Parte integrante do primeiro time de diretores da TV Globo, Amora Mautner vive um momento especial da carreira: seu nome está ligado atualmente a várias produções importantes da casa. Uma delas é a elogiada novela Cordel Encantado, de 2011, reprisada com sucesso no Vale a Pena Ver de Novo e que se despede novamente do público nesta sexta-feira, 3. “Foi a primeira novela em que a Globo me deu autonomia 100% artística, foi meu test-drive para virar diretora artística. Foi tudo ou nada. Então, para mim, essa novela é simbólica”, lembra, com carinho, Amora, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Já entre as novidades que levam sua assinatura estão duas apostas de peso: a série Assédio, de Maria Camargo, que está disponível na Globoplay desde setembro e estreia na TV aberta nesta sexta, 3, depois do Globo Repórter; e a próxima novela das 9, A Dona do Pedaço, de Walcyr Carrasco, que entra no ar a partir do dia 20.
Amora lança um olhar feminino sobre essas duas novas produções, que encontram sua força no protagonismo de mulheres. Livremente inspirada no livro A Clínica: A Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih, de Vicente Vilardaga, Assédio transporta para a ficção a história real do médico que era referência em reprodução humana assistida e foi denunciado por cometer uma série de abusos sexuais, por um grupo de mulheres, suas ex-pacientes. A série faz um vai e vem no tempo, entre o auge e a derrocada do Roger Sadala (interpretado por Antonio Calloni), mostrando a história de mulheres que sonhavam em se tornar mães e tiveram seus sonhos destruídos por ele. Quem são essas mulheres? Stela (Adriana Esteves), Eugênia (Paula Possani), Maria José (Hermila Guedes), Vera (Fernanda DUmbra) e Daiane (Jéssica Ellen).
E é sob o ponto de vista delas que a história é contada. Segundo Amora, sua “maior preocupação era como vender esse conteúdo sem estar vendendo o personagem do Roger”. “Porque esses assassinos, esses estupradores, essas pessoas são muito fascinantes do ponto de vista da curiosidade. Mas acho que, nesse caso, em vez de mostrar quem era o Roger e como ele fazia as coisas, o desafio era mostrar o que estava por trás, falar sobre a força feminina e não sobre elas como vítimas”, explica. “Se eu escolhesse falar sobre o Roger, eu estaria colocando as mulheres no lugar de vítimas. E a gente resolveu, eu e a Maria (a autora), falar sobre a potência das mulheres: quando mulheres conversam, se reúnem, se organizam, elas são muito fortes, e conseguem até derrubar um monstro desse tamanho e com todas as frentes de poder que ele tinha: dinheiro, estrutura, machismo, imprensa, política, tudo que o blindava delas individualmente. Quando essas mulheres se organizaram e foram para a internet, aí sim elas começaram a ficar com uma força muito grande, e a médio e longo prazo – porque demorou bastante tempo -, elas conseguiram derrubar esse cara. O que a gente está vendo de novo agora com João de Deus”, completa.
São cenas angustiantes, dolorosas. E como retratá-las foi outro desafio para a diretora. “Num estupro, tem o corpo da mulher, e pessoas loucas podem achar graça. Falei: como é que vou tirar a sexualidade de um estupro? E aí a gente conseguiu fazer um clima de IML (Instituto Médico Legal) ali, que parecia que elas estavam mortas. Acho que nem os mais malucos podem se aproveitar disso”, pondera. “Para ver como a gente é ligada na coisa machista: mesmo fazendo uma série onde o protagonismo é da potência feminina, fiquei atenta o tempo todo em não deixar nem um flanco para que os homens pudessem se deleitar ao ver. Foi uma preocupação minha, talvez aí de um espaço, de um lugar de fala por ser mulher. Talvez um homem não tivesse nem esse pensamento.”
Foram momentos pesados também para as atrizes – tanto que a diretora gravou esse tipo de cena com cada uma delas uma vez só. “Sou muito direta. A gente teve uma leitura e eu falava com elas sobre esse tom da morte após o estupro. Elas viviam uma morte das mulheres que eram antes. A partir daí, elas viviam o luto, cada uma do seu jeito, e depois vinham para o renascimento, quando juntas conversam sobre o que aconteceu e juntavam as forças.”
É após essa união que, a partir de 2008, a vida e a carreira do médico entram em declínio. Isso muito antes de o movimento #MeToo ficar mundialmente conhecido depois das denúncias de abusos sexuais contra o produtor Harvey Weinstein virem à tona. “É verdade, esse caso (no Brasil) é bem anterior”, diz.
Melodrama. As gravações de Assédio acabaram no ano passado, e Amora conta que praticamente emendou esse projeto com a novela A Dona do Pedaço, uma produção com outro formato, outra linguagem, outra intensidade. “É um melodrama, o primeiro que eu faço.” No centro da história, estão duas famílias rivais de justiceiros, e a paixão que nasce, à la Romeu e Julieta, entre dois membros desses clãs: Maria da Paz (Juliana Paes) e Amadeu (Marcos Palmeira). Uma tragédia no dia do casamento dos dois vai mudar a vida de todos para sempre.
Nessa trama, as personagens mulheres reinam, entre elas, Fernanda Montenegro, Jussara Freire, Nívea Maria e, claro, a grande protagonista. “A gente tem uma rainha que é a Juliana Paes, que é a pessoa mais astral”, diz. “Tem também o Marquinhos Palmeira, que é maravilhoso, meu ex-marido, que é uma pessoa muito querida para mim”, elogia Amora. É a primeira parceria dela e Walcyr Carrasco. “Eu já fiz muita novela. O que eu mais gosto da novela é esse contato com o Brasil. Acho que a novela faz parte da cultura brasileira. Não faço novela tentando fazer série, ou outro gênero, estou querendo fazer a novela que as pessoas querem ver. E estou com o parceiro que é o Walcyr, e se tem alguém que sabe falar com o Brasil é ele.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.