Edilson Pereira
Finalmente Chico Anysio fez uma coisa sem graça: ele morreu. Estava na hora. Não de morrer, claro, embora estivesse com 80 anos. Mas de fazer alguma coisa que eu, você e o sujeito da esquina ou fez ou fará. Porque, se morrer, todo mundo morre, viver como Chico viveu é para poucos. Ele teve seus problemas, mas estamos falando da parte boa, do filé mignon, daquela que aos demais vem racionada ou estragada e para o filho ilustre de Maranguape veio em dose generosa.
Ele foi rico, famoso e talentoso. E teve seu talento reconhecido em vida por todo mundo, público e crítica. E fez um sucesso danado com as mulheres. Se isto não for vida de primeira, eu não entendo nada da vida. Casou seis vezes e namorou as mulheres mais bonitas do Brasil de seu tempo. Destas que deixam os mecânicos com o maçarico em brasa. Não bastasse namorar a dona mais bonita do pedaço, transformou em “patroa” uma ex-ministra da Fazenda. Era fatal. Pegava bonita, feia e poderosa, nem sempre na mesma ordem. Se invocasse, levava Golda Meir para a cama. Não foi um conquistador comum. Foi especialista.
E não ficou nisso. Ele resolveu ser escritor. Escreveu um livro chamado O Enterro do Anão, vendeu mais que pipoca em sessão de circo. Se escrevesse alguma coisa chamada O Batizado da Vaca, vendia mais que leite em fábrica de queijo e mais que queijo em liquidação de queijo na feira de domingo. Um fenômeno! Aí resolveu pintar. Vendeu mais quadros que maçã do amor em quermesse.
Além disso, Chico Anysio foi um dos maiores comediantes brasileiros do século 20. Um criador de tipos inesquecíveis como Pantaleão, Véio Zuza, Painho, Salomé, Bozó, Alberto Roberto, Tavares, Azambuja, Coalhada, Bento Carneiro, Aroldo, Professor Raimundo e outros hilariantes quanto estes, que formavam uma galeria superior a duzentos personagens que fizeram rir várias gerações. Tem gente que só de lembrar começa a rir ainda hoje. Ele era tão bom nisso que ao imitar Paulo Francis levou o jornalista a ser reconhecido como Chico Anysio no meio da rua.
Trabalhou na Globo quando era a mais poderosa da América Latina e a quarta rede de televisão do mundo. E ganhava bem. No fim da vida, ganhava bem sem trabalhar, desejo supremo de qualquer brasileiro comum. Foi industrial, dono de fábrica de cobertores. E foi ator. E foi cantor e compositor com Arnaud Rodrigues, numa paródia de Gil e Caetano e vendeu milhares de discos. Ele foi tudo isso e agora morreu.
Eu não sei para onde ele vai ou foi. Mas com a vida que levou, ele vai sentir saudades. Morrer é maneira de dizer. Chico foi descansar. Porque a alma também não é de ferro. Sinceramente, não dá para chorar um cara que viveu assim. Viver como ele viveu, poucos vivem. Ele saiu no lucro. E saiu de cena rindo. O resto é conversa de velório.