“A gente adora uma encrenca.” A gente, os Morelli. Pedro Morelli, de 28 anos, fala do pai, Paulo Morelli, de 59, e dele. Ambos dividiram a direção de Entre Nós, no ano passado. E agora Paulo embarca numa pós-produção complicada, a de Malasartes. Serão meses de finalização, porque o filme rodado este ano é cheio de efeitos – que serão feitos na sede da O2, na Vila Leopoldina, em São Paulo. Pedro já passou por isso. Seu novo longa – solo – chama-se Zoom. Mistura linguagens, live action e animação. E, mesmo na live action, é um filme cheio de efeitos, o que também obrigou a uma pós-produção das mais complexas.
Zoom integra a seleção já divulgada do Festival do Rio, que começa em 1º de outubro. Mas não integra a mostra competitiva da Première Brasil. Vai passar na mostra Expectativa. “É melhor assim. Achamos que poderia causar mal-estar concorrendo na Première, por causa dos diálogos em inglês.” A produção é internacional, do Canadá – a O2 entra como parceira. E, antes disso, amanhã, ocorre a première mundial, com a gala no Festival de Toronto. Estarão presentes o diretor e os astros locais – Allison Pill, Jason Priestley, Tyler Labine. Gael García Bernal estava tentando, mas dificilmente conseguiria se liberar para atender o festival. Mariana Ximenes bem que gostaria, mas grava no Rio a nova série de José Alvarenga e José Eduardo Belmonte (leia abaixo). E Claudia Ohana está no teatro, com seu monólogo A Voz Humana, de Jean Cocteau.
Pedro Morelli explica a gênese de Zoom. Ele foi terceiro assistente de Ensaio sobre a Cegueira/Blindness, que Fernando Meirelles adaptou do romance de José Saramago. Vale lembrar como nasceu o outro filme. Meirelles tentou adquirir os direitos do livro, que Saramago não quis vender, sob uma vaga alegação de que seria impossível de adaptar. Mas o escritor vendeu para uma empresa produtora canadense, a Rhombus Media, e o convite para que Meirelles dirigisse veio do produtor Niv Fichman. Na época, Pedro Morelli era um franguinho, mal passado dos 20 anos. Mas se fez notar pelo produtor, que lhe fez, há cinco anos, a mais estranha e sedutora das propostas.
Niv Fichman tem um programa de filmes de novos diretores. Primeiros filmes. Perguntou a Pedro se tinha alguma coisa, mas fez uma ressalva, quem sabe impôs uma restrição – às avessas. Em geral, produtores propõem filmes de mercado a diretores. Fichman fez saber que não queria um filme narrativo, tradicional. Queria alguma coisa ousada, fora da curva. Quantos diretores não sonham com uma proposta dessas? Pedro Morelli topou, claro, e aí começou a pensar no tamanho da encrenca em que se metera. Um filme diferente, ousado, nada tradicional. Um nome – um gênero? – cintilou na sua cabeça. Charlie Kaufman. O roteirista norte-americano escreveu filmes cultuados como Quero Ser John Malkovich. E Pedro Morelli fez seu filme à Charlie Kaufman.
Como é/O que é Zoom? É um filme metalinguístico. “Uma história que se encaixa em outra, em outra e, lá pelas tantas, o espectador fica tão confuso que se pergunta: quem está contando essa história? Ela é real ou está se passando na cabeça de alguém?” Gael García Bernal faz um diretor famoso, e ousado. Depois de vários filmes bem-sucedidos, ele resolve fazer uma obra pessoal. A produtora é o inverso de Niv Fichman. Como se trata do primeiro filme que ela produz no estúdio, quer resultados. Gael, o personagem, a convence com um argumento machista, literalmente fazendo sexo com ela. Mas Gael não existe, ou será que sim? Ele é uma ficção, e durante boa parte do tempo aparece como desenho, como você está vendo aí na imagem.
No desenho, a genitália avantajada do diretor reduz-se a proporções mínimas, o que gera encrenca com a produtora. Outras personagens são a modelo (Mariana Ximenes) que quer escrever um livro e foge para uma praia no Brasil, onde, como preparativo ou o quê, se envolve em cenas calientes com a dona da pousada (Cláudia Ohana). E há a garota que trabalha numa fábrica de bonecas que, na verdade, são brinquedos sexuais, com todos os orifícios que os clientes têm direito. A garota tem seios pequenos, que sonha aumentar. Mas eles ficam grandes demais, e ela precisa de nova cirurgia, para diminuir. Só que não tem dinheiro e termina se apropriando da droga de um traficante. O cara persegue Mariana na praia do Brasil, o namorado canadense tenta protegê-la e tudo isso é filmado por Gael, com direito a intervenção de outro diretor, mais afeito ao gênero ‘comercial’ que a produtora está querendo.
Sexo, drogas, perseguições de carro, fuga de helicóptero. O roteiro de Matt Hansen usa todos os clichês do cinema comercial para que o relato, a forma como Pedro Morelli o desenvolve, subverta essa escrita tradicional. Resulta um filme ‘muito louco’. E amanhã, em Toronto, vai terminar o suspense. O público vai embarcar na fantasia de Zoom? Na sequência, virá a exibição no Festival do Rio e, no ano que vem, a estreia nos cinemas – no Brasil, a distribuição é da Paris Filmes. Pedro conversa com o repórter na sede da O2. Aponta para um andar intermediário do prédio, suspenso sobre a área aberta de lazer (que também é bar, refeitório e oficina de criação). “Aquilo ali foi ocupado por 25 desenhistas e animadores. Toda a parte de animação e efeitos foi feita aqui, por gente jovem e entusiasmada.” Como ele, Pedro Morelli. “Havia uma energia muito grande.”
Na verdade, todo esse entusiasmo ‘juvenil’ parece estar contagiando a O2 Filmes. É uma das produtoras mais importantes do País, isso ninguém duvida. Pedro e Paulo Morelli levam muito a sérios seus filmes, mas brincam de efeitos. O ‘astro’ da casa, Fernando Meirelles, deu entrevista na capa do Caderno 2, na semana passada, dizendo estar-se sentindo ‘um estagiário’ ao tentar nova forma de expressão, a ópera, com a montagem de O Pescador de Pérolas, de Georges Bizet. Todo mundo atrás de encrenca, como sinônimo de desafio. E Pedro Morelli, como se sente? “Tem sempre esse frio na barriga. Vão gostar (o público)? Agora, tá feito, não tem mais recuo. Vamo(s) que vamo(s).”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.