Peça em cartaz por 11 anos entra para o Guinness Book

Eram 56 trocas de roupa em cena, nenhuma ultrapassando os 30 segundos para evitar a quebra de ritmo. Um esforço tão grande que consumia dois quilos de cada um dos atores a cada apresentação. O esforço brutal, porém, era recompensado: até sua última apresentação, em 1997, O mistério de Irma Vap figurava no Guinness Book como a peça que ficou mais tempo em cartaz com o mesmo elenco, 11 anos, vendendo mais de 3 milhões de ingressos.

São Paulo (AE) – Fenômeno teatral nos anos 1980s e 90s, O mistério de Irma Vap, de Charles Ludlam, curiosamente, só fez sucesso no Brasil. Mais que a disposição em acompanhar a frenética troca de roupas ou gargalhar com os clichês dramáticos e de terror levados ao extremo ridículo, o interesse estava principalmente nas interpretações de Marco Nanini e Ney Latorraca. Sob a direção de Marília Pêra, a dupla abusava do improviso, o que tornava uma apresentação quase totalmente diferente da outra. Com isso, eles arrastavam tanto pessoas comuns quanto celebridades diversas (Caetano Veloso, Tônia Carrero, Sílvio Santos, Pelé, governadores, entre vários outros) para teatros enormes, cuja lotação média beirava os 95%, fato raro nos dias de hoje.

O improviso foi determinado por Marília em algumas paradas do texto, quando os atores brincavam com o personagem do outro. Latorraca adorava dizer, por exemplo, que Nanini, de peruca e vestidão, parecia o Montenegro (personagem do próprio Nanini na novela Brega e chique). Impiedoso, o ator rebatia: ?E você, com esse rabinho de cavalo, é o próprio Laio (personagem da novela Mandala)?. Ou seja, ninguém mais sabia se estava diante do ator ou do personagem. Quem viveu aquela época, entende a piada.

Nanini e Latorraca interpretavam seis personagens, definidos a partir da troca de roupas. O primeiro vivia Lady Enid, o empregado defeituoso Nicodemo e o lobisomem. Já Latorraca encarnava a donzela Jane Twisten, o galã Lord Edgard e a fúnebre Irma Vap, cujo nome é um anagrama para ?vampira?.

As frases soavam tão absurdas que a peça conseguiu construir a mesma idolatria criada pela comédia musical trash Rock Horror Show, adotada pela garotada, que se transformou em um show à parte: além de decorar as falas dos personagens e repeti-las no mesmo instante, a platéia vestia-se da mesma forma que os atores. Com Irma Vap, não se chegou a esse exagero, mas, durante a festa da centésima apresentação, em São Paulo, o público repetia o texto com os atores, o que chegava a atrapalhar.

Mesmo com tanto tempo em cartaz, o espetáculo não envelhecia e os dois atores não perdiam o frescor da representação. Além do sucesso de público, a peça trouxe um conforto material para os atores. Nanini conseguiu saldar dívidas de espetáculos anteriores, como os maravilhosos Doce deleite e Mão na luva. Já Latorraca, além de reformar seu apartamento, divertia-se ao dizer que deixou de se hospedar em espeluncas em suas viagens a Nova York.

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