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Paulo Betti relembra sua história no monólogo

O espetáculo nasceu de um imprevisto – recém-saído do sucesso de seu personagem na novela Império, em 2015, Paulo Betti decidiu montar um monólogo, pois pretendia apresentá-lo em várias cidades. Quando já estava com um teatro agendado no Rio, descobriu que o texto não era tão de seu agrado, portanto, precisou urgente de um plano B. A solução, ele encontrou em sua própria casa, nos diversos cadernos nos quais, entre 1980 e 1992, escreveu compulsivamente sobre sua história. Daquele vasto material, Betti escreveu o monólogo Autobiografia Autorizada, que estreia nesta sexta-feira, 11, no Teatro Vivo.

“Apesar de o texto nascer em um momento de urgência, acredito que tenha qualidade para honrar minha história”, afirma ele, que contou com o auxílio de Rafael Ponzi na direção. E, mesmo surgindo de forma inusitada, o espetáculo serviu ainda para reforçar a comemoração de 40 anos de carreira do ator. “Não foi proposital”, conta Betti, que sempre teve o hábito de relembrar as próprias histórias. “Eu me acostumei a contá-las para os amigos e, além daqueles cadernos que eram uma espécie de diário, também escrevi sobre esse assunto nas crônicas que publiquei no jornal Cruzeiro do Sul, de Sorocaba, até 2010.”

Nessa cidade do interior paulista, Betti, hoje com 64 anos, viveu momentos extraordinários, até do ponto de vista antropológico. “Fui criado em um bairro periférico, onde quatro ruas de 500 metros cada uma formavam um jogo da velha. Esse bairro era uma espécie de quilombo, pois 95% da população era negra. Contava ainda com três escolas de samba.” Antes disso, a família numerosa (Betti é o caçula temporão de 15 filhos, dos quais 8 morreram próximos do parto) viveu com o avô do ator, na zona rural. “Meu avô trabalhava como meeiro para um fazendeiro negro, em Sorocaba, portanto eu via a fazenda da perspectiva da senzala”, relembra ele que, durante o espetáculo, exibe com orgulho o passaporte do avô, no qual está registrada sua chegada ao porto de Santos, no início do século passado.

Como o pai, Ernesto, era esquizofrênico, a mãe de Betti (uma camponesa analfabeta), Adelaide, logo se mudou para a cidade, onde trabalhou como empregada doméstica. “Tirei dessas mazelas algo proveitoso”, conta Betti, que guarda também ótimas lembranças, como as brincadeiras típicas dos moleques de rua – em cena, por exemplo, ele mostra como ainda consegue rodar um pião e colocá-lo na mão.

Outra diversão era fazer teatro de bonecos no quintal da casa, passatempo que logo o fez descobrir a vocação artística. “O ensino público era bom naquela época, com muita abertura para o aprendizado das artes”, relembra o ator, que decidiu encerrar Autobiografia Autorizada no momento em que ele, ainda jovem, decidiu estudar na Escola de Arte Dramática, em São Paulo. O que viria a seguir é material para um novo monólogo, que Betti ainda planeja montar.

Mesmo assim, ao apresentar a peça em tantos lugares, sentiu a necessidade de acrescentar mais detalhes. Em Salvador, por exemplo, reencontrou o diretor Celso Nunes, com quem trabalhou no início da carreira – sob o comando do encenador, Betti foi um dos fundadores, em 1975, do grupo experimental Pessoal do Victor. “Celso é um profundo conhecedor do trabalho teatral e, no dia seguinte ao ver meu espetáculo, ele me enviou uma análise profunda da minha interpretação. ‘Vi o menino na peça’, disse ele.”

De fato, ao longo do monólogo, o público se delicia com momentos carinhosos, como em que ouvia radionovelas enquanto ajudava a mãe na tarefa de passar roupas, atividade que assumiu para completar o orçamento caseiro. Paulo Betti recorda-se em cena de outras situações, como a história do irmão cavaleiro que dormiu em cima do cavalo, a memória da carrocinha que recolhia cachorros de rua, os momentos como funcionário do Hospital Votorantim e a descrição do cardápio do bandejão do Centro Residencial da USP, um exemplo de como não se montar um prato nutritivo. “Era uma comida pesada e, pior, depois tinha de enfrentar aulas como de expressão corporal”, diverte-se.

Em São Paulo, Betti pretende acrescentar reminiscências de amigos queridos, como do dramaturgo Carlos Alberto Soffredini, autor de um de seus grandes sucessos como encenador em Na Carreira do Divino, montado em 1979. Também de colegas que lhe trouxeram grande aprendizado, como Antonio Abujamra (autor da célebre frase “O fracasso reforça o caráter”) e Plínio Marcos, para quem ator é um ser tão obsessivo que é capaz de pegar num fio desencapado. “O teatro me ensinou a ser humilde”, conta Betti, que só evitou relembrar os momentos políticos, como sua adesão ao PT. “Preferi para evitar que fosse deturpado.”

AUTOBIOGRAFIA AUTORIZADA

Teatro Vivo. Av. Chucri Zaidan, 2460. Tel.: 3279-1520. 6ª, 21h30. Sáb., 21h. Dom., 18h. R$ 50.

Estreia 11/8. Até 1º/10

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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