Havia a expectativa, no Festival de Berlim do ano passado, de que a chilena Paulina García vencesse o Urso de Prata de interpretação feminina. Havia, na realidade, a expectativa de que o próprio filme de Sebastian Lelio, Gloria – que estreia nesta sexta-feira, 31, no Brasil -, vencesse o Urso de Ouro, como melhor da Berlinale de 2013. O júri preferiu outorgar o troféu ao romeno Calin Peter Netzer, de Child’s Poze, mas Paulina foi recompensada, e era fundamental que fosse.
Já houve a Gloria de John Cassavetes (Gena Rowlands), houve o remake de Sidney Lumet (com Sharon Stone), mas Gloria como a de Paulina García nunca houve.
Ela é uma cinquentona que frequenta as baladas para terceira idade de Santiago. Gloria acostumou-se a viver a vida pelos e para os outros. O que o filme vai fazer é captar – expor? – esse momento decisivo em que Gloria se dá conta de que tem de viver a própria vida. Os filhos são adultos, têm seus problemas que ela não pode resolver. A própria Gloria se envolve com um coroa casado. Ele a envolve numa conversa de que vai largar a mulher (e a família). Mas não tem coragem e Gloria pega em armas, simbolicamente. A cena provocou verdadeira catarse do público. Os aplausos foram estrondosos na sessão de imprensa, na oficial. E isso, com certeza, pavimentou o caminho para que Paulina fosse melhor atriz.
Num encontro com o repórter, no próprio Palast – o palácio do festival -, Sebastián Lelio contou que o filme nasceu de um duplo desejo. “Embora não seja um filme autobiográfico de minha mãe, queria falar sobre a geração dela, sobre suas amigas que conheço tão bem. Entrevistei mulheres da mesma faixa etária, e apenas constatei o que já percebia, ou sabia. A expectativa de vida aumentou muito, as mulheres ampliaram seu espaço e, mesmo aquelas que se dedicavam aos afazeres do lar, descobrem que agora têm tempo para elas. Muitas são separadas, viúvas.
Querem viver. E frequentam esses bares e bailes. Isso foi uma coisa. Mas eu queria muito filmar com Paulina (García). Sempre a achei grande, mas o cinema só lhe dava pequenos papéis. O filme já nasceu com essa ambição – oferecer um grande papel a Paulina.”
E Lelio conta mais – “Pode ser que meu método não seja ortodoxo, não sei, mas crio roteiros detalhados sem diálogos. Não me interessa moldar os atores a frases feitas. Eu sei qual é o sentido da cena e como ela entra na história que quero contar. Mas quem tem de construir o diálogo é o ator.” Paulina García cita um diretor norte-americano de cujo nome não se lembra. “Ele disse uma coisa que me marcou. Disse que nenhum de seus personagens lhe era estranho. Todos eram ele. Sebastián poderia dizer a mesma coisa. E ele permite que a gente ponha muito de nossas vivências nas personagens. Gloria não sou eu, e ao mesmo tempo a forma como ela fala, se movimenta, o que diz, como diz, tudo isso sou eu.”
Você poderia pensar – um exercício de narrativa e interpretação naturalistas. Lelio discorda – “Nunca pedi a Paulina que fosse Gloria, mas queria usar todas as suas ferramentas. Os personagens vivem do corpo, da entonação, do movimento dos atores, mas o desenvolvimento da história leva Paulina a outras direções. Havia momentos em que ela me dizia – ‘Não sei se conseguirei fazer isso.’ Eu retrucava que era atriz, e saberia fazê-lo. Há um trabalho de composição, mas não como atriz característica.”
O baile, a balada eram fundamentais no filme. “Se Paulina não dançasse, não haveria filme. Acho que o mundo se divide entre pessoas que dançam, e outras que não. Dançar pressupõe uma atitude diante da vida, uma consciência do próprio corpo. Para mim, é o tema de Glória. Ela toma consciência de quem é, do que quer, e vai batalhar por isso.” O filme é muito ‘chileno’, assinala o repórter, que visitou muitas vezes o Chile. “Somos nostálgicos, sentimentais, beberrões”, diz o diretor. “Duas ou três doses e, a despeito de todas as dificuldades, estamos dando ‘gracias a la vida’. Isso também estava no projeto, desde o início. Queria um filme no qual, e com o qual os chilenos pudessem se identificar. Toquei a universalidade. Me toca aqui na Alemanha quando jornalistas de todo o mundo dizem que as pessoas são assim, não importa o lugar.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.