Camila Morgado é a primeira a admitir que sua beleza é um tanto exótica, fora dos padrões televisivos vigentes que privilegiam bundas grandes e peitos fartos. Além de não possuir tais atributos, a intérprete da May, de América, ainda ostenta um vozeirão grave que parece não combinar com o rosto suave, de menina. Mas combina. Prova disso é que, apesar da beleza pouco convencional ou talvez por causa dela, causou furor em sua estréia na tevê, como a enigmática Manuela de A Casa das Sete Mulheres, em 2003.
?Houve uma época em que achei que não daria certo como atriz. Certa vez, fui fazer um teste e ouvi: ?Sua voz é grossa e não combina com seu tipo físico?. Comecei a suspeitar de que estava no caminho errado?, entrega. Camila, porém, não desistiu da profissão. E nem Jayme Monjardim deixaria. Diretor de A Casa das Sete Mulheres, foi ele também que a convidou para protagonizar Olga no cinema e a fazer sua primeira novela na televisão, América, de Glória Perez. Por essas e outras, Camila arregala os hipnóticos olhos azuis ao dizer que levou um baque ao saber que Jayme pediu desligamento ou foi desligado pela própria autora do comando da novela. ?Levei um susto danado. Aliás, todos levaram. Mas o meu foi maior porque foi ele que me trouxe até aqui?, reconhece a moça.
Mas Camila já tem maturidade suficiente para caminhar com as próprias pernas. Mesmo abalada com a ausência do diretor, não deixa esmorecer o entusiasmo ao falar de sua primeira experiência em novelas. E, principalmente, de sua primeira vilã, a autoritária Miss May. Para convencer no papel de megera, recorreu a dois de seus atores prediletos: Bette Davis e Peter Sellers. ?Eles me inspiram em qualquer ocasião?, explica. Apesar do pouco tempo no ar, Camila já começou a notar os primeiros olhares de esguelha em lojas e supermercados. ?No começo, achei que fosse levar sacolada na rua. Mas muitas pessoas não têm sequer coragem de chegar perto de mim. Desconfio que tenham medo da May?, diverte-se.
Camila Morgado teve que raspar a vasta cabeleira e chegou a ficar com apenas 45 quilos para fazer o papel de Olga. |
P – América é a sua primeira novela. Com pouco mais de dois meses no ar, o que mais tem chamado a sua atenção no gênero?
R – Só agora comecei a entender porque chamam novela de obra aberta… Quando comecei a gravar, sabia que faria uma ceramista. Sabia também que a minha personagem ensinaria Artes para alunos de uma escola em Miami. Entre outras coisas, caberia a ela avaliar se algum deles tinha vocação artística… Pois bem, já estamos com dois meses de novela e só tive duas ceninhas com cerâmica… (risos), Só estou citando esse exemplo para mostrar o quanto é engraçado fazer novela. Em outras palavras, não dá muito para fixar o que quer que seja. E olha que, antes de a novela começar, estudei cerâmica por uns quatro meses… Aprendi a mexer com torno, argila, essas coisas.
P – Que avaliação você faz de sua estréia na tevê?
R – Melhor, impossível. Como vinha do teatro, eu sempre pensava: se um dia me chamarem para fazer tevê, quero que seja um papel bem bacana, um personagem que realmente valha a pena… E parece que alguém lá em cima escutou o meu pedido e me deu a Manuela de presente… Foi uma sorte danada. Só não foi melhor porque tive de fazê-la numa minissérie. Ou seja, só foram 51 capítulos. Isso sem falar na saudade que ficou depois…
P – Você estreou como protagonista na tevê e, em seguida, também no cinema, no filme Olga. Em nenhum momento, ficou temerosa de o sucesso subir à cabeça?
R – Não. Mas eu sei o quanto o sucesso é perigoso. É um campo… não vou dizer minado, mas quase minado. Você tem de manter os olhos bem abertos para prestar atenção a tudo o que acontece ao seu redor. Algumas coisas mudam sim. O jeito como as pessoas tratam você, por exemplo. Você só tem de tomar cuidado com esses pequenos detalhes: acreditar que nem tudo é verdade. Eu não acredito, vamos dizer assim, nos elogios. Veja bem, não quero que isso soe mal, mas é preciso manter os pés no chão. Isso é um processo diário porque essa profissão trabalha com a vaidade e, se você não tomar cuidado, pode pirar…
Na tela grande, uma prova de fogo
A parceria entre Camila Morgado e Jayme Monjardim não ficou restrita à tevê. Logo, o diretor resolveu lançá-la também no cinema. No filme Olga, baseado no livro homônimo de Fernando Moraes, interpretou a judia alemã Olga Benário Prestes, que se casou com o líder comunista Luís Carlos Prestes, foi deportada grávida para a Alemanha nazista e morreu na câmara de gás de um campo de concentração.
Durante as filmagens, Camila fez intensivo treinamento militar, perdeu sete quilos e raspou a vasta cabeleira ruiva. A Olga teve a generosidade de dar a vida por uma causa. ?O mínimo que eu podia fazer era ter um total despojamento de vaidade?, observa a atriz.
Perfeccionista, Camila passou três noites num quartel do Exército. A rotina militar obrigava a atriz a acordar às 5 h da manhã. ?Todos me olhavam com vontade de rir, porque eu me atrapalhava toda na hora de botar a farda. Meu coturno era 39, mas eu calço 36?, lembra. Ainda no quartel, teve aulas de tiro e defesa pessoal. Mas, da primeira vez, ficou com a mão suada e sentiu tremedeira só de ver a arma. ?Nem contei isso para o Jayme para não desesperá-lo?, ri. A preparação incluiu também uma dieta rigorosa. Com acompanhamento de um endocrinologista, perdeu sete quilos para rodar as cenas finais no campo de concentração. Na ocasião, chegou a pesar apenas 45 quilos.
Mas raspar o cabelo ou fazer dieta não foi nada perto de gravar a cena em que Anita Leocádia, filha única do casal, hoje com 67 anos, foi tirada dos braços de Olga, já na prisão. ?Não é preciso ser mãe para entender a dor daquele momento. Só depois de filmá-la é que pude dormir tranqüilamente?, salienta. Ainda assim, a atriz sofreu horrores quando teve de se despedir de Olga. Depois de encerradas as filmagens, entrou em depressão. ?Foi como se tivesse terminado um namoro?, compara. No dia 12 de fevereiro, ligou para Caco Ciocler, o Prestes do filme, pedindo que lhe desse os parabéns. ?Afinal, era aniversário de Olga… Se pudesse, faria tudo outra vez?, jura.
Teimosia no início do caminho das pedras
Camila Morgado nasceu Camila Ribeiro da Silva. Pegou o sobrenome artístico emprestado da avó materna. Antes de pensar em ser atriz, pensou em ser médica. Chegou a prestar vestibular para Medicina, mas não foi aprovada. ?Fiz as provas sabendo que não passaria e que não era aquilo o que queria?, garante. Foi então que, escondida dos pais, o comerciante Orlando e a dona de casa Regina, matriculou-se no curso da atriz Monah Delacy, mãe da também atriz Christiane Torloni, em Petrópolis, cidade serrana do Rio, onde nasceu. ?Logo, vi que não tinha mais volta e que não adiantava ninguém da família ir contra. Sou muito teimosa e determinada?, ri.
Não demorou muito para Camila ir estudar no Rio de Janeiro, mais precisamente na Casa das Artes de Laranjeiras, a CAL. Durante algum tempo, acordava às 4h30 da manhã, pegava o ônibus das 6h e chegava às 8h30 para as aulas da CAL. Cansada desse vai-e-vem, começou a morar numa república no Rio, onde dividia as contas e o aluguel com outros jovens atores. Anos depois, integrou a Cia. Ópera Seca, de Gerald Thomas, com quem fez Esperando Beckett e Ventriloquist, entre outros, e participou do Centro de Pesquisa Teatral, o CPT, de Antunes Filho. Naturalmente loura, tingiu os cabelos de ruivo em 97 a pedido de Gerald para a peça Nowhere Man, encenada até na Croácia.
Estréia adiada
Por pouco, Camila não estreou na tevê em 2001, na novela O Clone, de Glória Perez. Impressionado com os testes da moça, Jayme Monjardim preferiu guardá-la para futuros trabalhos. Quando assumiu A casa das sete mulheres, não teve dúvidas ao escalá-la num dos papéis principais da minissérie. ?Sei que possuo uma beleza exótica. Mas o Jayme disse que era isso mesmo que ele queria para a Manuela?, lembra.
Em 2004, ela atuou em Um só coração, como Cacilda Becker.