Paris faz retrospectiva de obra da fotógrafa Diane Arbus

Quem pretende passar por Paris até o dia 5 de fevereiro deve reservar um par de horas para ver a exposição Diane Arbus (1923- 1971) no Jeu de Paume (Place de La Concorde, 1). É a primeira retrospectiva francesa feita sobre a fotógrafa americana, que provocou uma revolução estética nos anos 1960 ao eleger como modelos preferenciais não as divas que fotografava para as revistas de moda, mas pessoas comuns, portadores de defeitos físicos, gente com problemas mentais, travestis, nudistas e freaks.

O escritor americano Norman Mailer (1923-2007), pouco antes de Diane Arbus se matar – em 1971, tomando barbitúricos e cortando os pulsos -, fez uma declaração sarcástica sobre seu trabalho que remetia a uma de suas mais conhecidas imagens, justamente a foto maior que ilustra esta página: “Dar uma câmera para Diane Arbus é como colocar uma granada nas mãos de uma criança”.

Diane Arbus, curiosamente, viu uma criança com uma granada (de brinquedo) nas mãos no Central Park, Nova York, em 1962. O garoto chamava-se Colin Wood e sua tensa expressão facial revelava um distúrbio maníaco qualquer. À primeira vista, a imagem choca. Susan Sontag escreve em seu ensaio Freak Show ( 1973) que falta mesmo beleza em suas fotos, “incapazes de comover o espectador”, segundo a ensaísta americana.

Não era mesmo o propósito da fotógrafa, como se lê nas páginas de seu diário exposto na mostra parisiense, que traz, além de câmeras e objetos pessoais da fotógrafa, mais de duas centenas de imagens que cobrem toda a sua carreira. Sua audácia, como disse a curadora da mostra, a catalã Marta Gili, foi justamente a de tornar familiar aquilo que nos parece estranho e transformar o exótico em familiar.

É curioso observar a reação dos visitantes da retrospectiva no Jeu de Paume. Há um silêncio solene, respeitoso, diante de fotos – como a de um travesti com bobs na cabeça em sua casa, de um gordo senhor dominado por uma prostituta sádica ou mesmo de um grupo de deficientes mentais com máscaras de carnaval.

Tais imagens, defende a curadoria da mostra, abrem novas perspectivas ao entendimento que temos de nós mesmos, pois são os defeitos que nos tornam singulares. E Diane Arbus deixou o mundo da moda – onde começou a carreira fotografando para revistas como Vogue e Harper’s Bazaar – para fotografar os deserdados e deslocados da América, ela que veio de uma família rica (seu pai era dono da Russek’s, loja da elegante Quinta Avenida) e trocou o conforto pela rua e por uma Rolleiflex.

Nascida Diane Nemerov (seu sobrenome judeu), em Nova York, a fotógrafa começou a carreira nos anos 1940 ao lado do marido Alan Arbus, que trabalhava no setor de publicidade da loja do pai da mulher. Desde que os dois formaram uma agência de fotografia de moda, em 1946, a fotógrafa parecia menos interessada em modelos que nas imagens de Walker Evans feitas durante a Depressão, quando ele percorreu a zona rural americana atrás de famílias pobres. Diane decidiu, então, ao ganhar uma bolsa da Guggenheim em 1963, dar um rosto e uma identidade à classe média americana, fotografando concursos de beleza, festas de casamento e campos de nudistas em New Jersey.

O freak show só viria mais tarde, nos anos 1970, quando, convidada pelo grupo Time-Life para fazer uma grande reportagem fotográfica da América subterrânea, fotografou casais nada ortodoxos, como uma velha senhora com um macaco em roupas de esquiador ou gêmeos vivendo juntos há 60 anos. Essa fotos provocaram repulsa e, ao mesmo tempo, atraíram a atenção dos críticos. Diane foi a primeira fotógrafa americana a ter seu trabalho exibido na Bienal de Veneza, em 1972, um ano após sua morte.

A mostra italiana selecionou dez imagens que provocaram enorme impacto. Tanto que o Museu de Arte Moderna de Nova York promoveu sua primeira retrospectiva naquele mesmo ano.

As anotações da fotógrafa, reunidas na retrospectiva parisiense, revelam que ela sempre pediu autorização aos modelos – com a possível exceção dos nudistas e deficientes mentais. Os demais são fotografados invariavelmente de frente, evocando a construção formal de outro grande fotógrafo, o alemão August Sander (1876-1964).

A diferença entre os dois fica nítida, porém, na abordagem. Sanders tinha um interesse mais sociológico, enquanto Diane Arbus fazia antropologia contemporânea, explorando o árido terreno entre aparência e identidade para mostrar como a realidade americana tem algo de teatral – um freak show que beira o do clássico filme Monstros (Freaks), de Tod Browning, inspirador da fotógrafa. “Muitas pessoas passam pela vida temendo uma experiência traumática”, escreveu. “Os freaks, ao contrário, já nascem traumatizados”, concluiu. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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