Até 2002, os cursos à distância, implementados com uso intensivo de novas tecnologias no Brasil, não foram, marcadamente, os de natureza acadêmica, dedicados ao ensino superior, mas, sim, os da área do e-learning, marcados pelo atendimento corporativo a clientelas de grandes empresas ou por contratação direta do governo nas esferas municipal, estadual ou federal, para atender a grupos determinados de servidores públicos, caracterizando, portanto, uma demanda corporativa, uma clientela restrita.
Duas grandes questões contribuem para formar o paradoxo da Universidade Virtual no Brasil. A primeira, de natureza socioeconômica, estrutural e comum aos países em desenvolvimento, e que mostra um acesso restrito às NTIC para as classes de renda inferior da sociedade. Decorre deste fato que a Universidade Virtual, estruturada a partir das NTIC, consegue fazer chegar os seus produtos apenas às classes média e alta, já atendidas anteriormente pelas universidades presenciais. E, uma segunda questão, particular ao Brasil, que mostra já ocorrer por volta do ano 2000 uma interiorizaçao do ensino superior no País, com mais de 1.200 instituições de ensino superior presenciais em funcionamento, cobrindo todo o território.
Na prática, a maioria das cidades brasileiras das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, com mais de 50 mil habitantes, já dispõem de, pelo menos, uma faculdade instalada, criando um duplo fenômeno, uma capilarização do ensino superior presencial acompanhada, a partir do final da década de 1990, de um número de vagas oferecidas excedente ao número de inscritos para o ensino superior pago, caracterizando limites na expansão desse modelo.
No âmbito da primeira questão do paradoxo da Universidade Virtual no Brasil, as pesquisas que acompanham o crescimento do acesso à internet no País mostram, claramente, que a expansão ocorre, majoritariamente, nos extratos de classe alta e de classe média em relação aos usuários domésticos, e nas corporações empresariais de maior porte e nos serviços públicos federal, estadual e municipal. No aspecto geográfico, o gradiente de inclusão digital irradia-se, principalmente, a partir das regiões Sul e Sudeste e do litoral brasileiro, tornando-se cada vez menos presente no interior do País em direção à fronteira oeste, tanto no acesso doméstico, quanto nas conexões institucionais.
Os benefícios em tecnologia, mediação pedagógica e de inclusão social anunciados no início dos anos 1990 pela chegada em massa das NTIC à educação e pela emergência da 3.ª geração da EAD, e associados, por conseqüência, ao conceito de Universidade Virtual, aplicaram-se apropriadamente ao e-learning no ambiente corporativo e para a moder-nização do ensino presencial, e não para a educação à distância. As NTIC não contribuíram, no Brasil, para a quebra de fronteiras das universidades para abarcar populações até então não contempladas com o acesso ao ensino superior, seja pela distância dos centros universitários, seja pela condição financeira desfavorecida de parte da população que impedia o custeio do ensino superior.
Assim, enquanto a literatura avança para a discussão e experimentação de modelos de quarta e quinta gerações de EAD, com a interatividade ampliada permitida por sistemas baseados em comunicação por banda larga e pela imersão em ambientes de realidade virtual, o conceito de que a EAD teria por característica alargar o acesso à educação torna-se incompatível nos programas com uso das NTIC.
O quadro apresentado pode sofrer pequenas alterações a partir da disposição do ministro da Educação do governo do presidente Lula da Silva, professor Cristóvam Buarque, que anunciou a intenção de promover o aumento do número de vagas das universidades federais com o uso da educação à distância. A prioridade para a oferta de cursos, segundo o ministro, será em programas para formação de professores para o ensino fundamental e o ensino médio. Com esses novos cursos de licenciatura o ministro estima que pode até mesmo dobrar o número de vagas hoje em oferta pelas universidades públicas no País.
João Vianney é diretor de educação à distância da Universidade do Sul de Santa Catarina; Patrícia Torres é coordenadora do Centro de Educação à Distância da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Elizabeth Farias é professora da Universidade Federal de Santa Catarina. São autores do livro A Universidade Virtual no Brasil.