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Para reverenciar o mestre Ferreira Gullar

Quando os poetas Ferreira Gullar e Cláudia Ahimsa se conheceram, na Feira de Frankfurt, em 1994, ele tinha 64 anos e vivia um momento sombrio, com as perdas seguidas do filho caçula, Marcos, e da mulher, a atriz Thereza Aragão; ela, uma jovem 33 anos mais nova que lhe despertou paixão e devolveu entusiasmo. Em dezembro do ano passado, Gullar, aos 86, lhe pediu, ao pressentir a chegada da morte: “Você já me salvou uma vez, agora eu tenho que ir”.

Três meses após a partida, Cláudia toma para si a tarefa de trabalhar pela perenização da monumental obra do marido, que se estende da literatura (adulta e infantil) às artes visuais. “Eu me sinto como se alguém tivesse me dado um tesouro, que quero dividir. Gullar odiava herdeiros, porque já tinha tido dificuldades para liberação de poemas”, conta Cláudia.

“O leitor de poesia talvez seja o mais fiel, mas o tempo vai passando e tem momentos em que as pessoas param de falar de Vinicius, Manuel Bandeira, Drummond. O Brasil não é a Rússia, onde casais se casam diante da estátua do Pushkin”, ela diz. “Quero ser uma facilitadora, dar acesso. Isso vai preencher a lacuna que sinto.”

Este ano, Cláudia quer itinerar com a exposição exibida ano passado no Espaço Cultural do BNDES, com o Gullar escritor e artista plástico (a próxima parada, no segundo semestre, será a Sala Funarte de Brasília). A editora Bazar do Tempo vai lançar dois títulos preparados nos últimos anos pelo poeta, Os Desastres da Guerra, com colagens baseadas na série homônima de gravuras de Goya, e Alquimia do Ver, reunião de textos poéticos sobre obras de arte.

Ainda este mês, sai pela Autêntica uma edição especial de Autobiografia Poética e Outros Textos, que o autor lançara em 2015. Este volume, que revela ao leitor a formação literária de Gullar e sua visão do fazer poético, vem com um DVD do documentário O Canto e a Fúria, feito pelo amigo Zelito Viana 20 anos atrás e nunca lançado. “Foi uma experiência radical, é só o Gullar falando e eu e Walter Carvalho filmando. Ele estava muito animado e relaxado”, lembra o cineasta.

“Ele gostou da ideia da edição especial, íamos lançar em dezembro. Mas fomos surpreendidos pelo impensável (Gullar morreu dia 4 daquele mês, em decorrência de problemas pulmonares). Em outubro, ele estava andando rápido comigo pelas ruas do centro”, lamenta a editora Maria Amélia Mello, com quem Gullar convivia desde o fim dos anos 1970.

“Eu não conheci só o Ferreira Gullar, mas o José Ribamar. Ele era ‘singullar’.” Outro relançamento da Autêntica será o do infantil Dr. Urubu e Outras Fábulas. A Companhia das Letras, casa de Gullar desde janeiro de 2016, segue reeditando sua obra completa, com planejamento até 2021.

No campo das artes plásticas, no Museu Afro, no Ibirapuera, está em cartaz, até o dia 26, a mostra Visões de Um Poema Sujo, do fotógrafo maranhense Márcio Vasconcelos, inspirada na obra-prima de Gullar, que Cláudia gostaria de trazer ao Rio. Em junho, a Dan Galeria, no Jardim América, onde Gullar já havia exposto suas colagens, abre nova mostra, com relevos inéditos.

Para o futuro, a poeta sonha ainda fazer um livro do caderno de desenhos pontilhados que Gullar lhe dera de presente em 1999, com a dedicatória “as muitas maneiras de dizer ‘eu te amo’”; publicar o conteúdo de um outro caderno, com poemas inéditos manuscritos há 20 anos para ela (alguns, eróticos); escrever um livro sobre a história de amor dos dois (“ele dizia que eu era uma das últimas surrealistas, uma Nadja de Breton”).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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