Inezita Barroso: revisitando os antigos saraus.

Quem vê a paulistana Inezita Barroso lépida e fagueira no programa Viola, Minha Viola, há 23 anos exibido toda quarta à noite pela TV Cultura, pode não acreditar, mas ela acaba de lançar o seu 80.º registro – entre CDs, vinis e discos de 78 rotações – em 50 anos de carreira. Gravado pela Trama, Hoje Lembrando é uma espécie de retrospectiva pelo universo musical da intérprete, hoje com 78 anos.

“As pessoas me pediam muitas músicas que eu gravei em diversas épocas diferentes, por selos pequenos, e que não estavam disponíveis nas lojas”, conta Inezita. “Cansei de gravar fitinhas cassete, então achei que o melhor jeito de agradar esse público seria fazer um disco resgatando essas músicas, com arranjos atualizados pelo maestro Théo de Barros. Vasculhamos mais de 100 músicas até chegar nas treze faixas do CD.”

Considerada a rainha da música caipira, Inezita optou por não incluir nenhuma canção do gênero em Hoje Lembrando. “Estava com saudade dos recitais que aconteciam aos sábados na minha casa, e preferi gravar as canções desse repertório que eu amava. Quanto ao público, creio que não vai estranhar, porque eles também pedem essas músicas antigas no programa.”

Nesses “saraus” surgiram várias jóias do cancioneiro popular brasileiro, como o samba-canção Bem Iguais (dos versos “Hoje lembrando tudo de bom/que eu tinha/Hoje lembrando a grandeza/que foi minha”, que inspiraram o nome do CD) e o samba Recompensa, ambos de Paulo Vanzolini com o pianista Túlio Tavares. Os dois são inéditos. “Eles têm pelo menos 50 anos, foram compostos na minha casa”, lembra a intérprete, que fez a gravação original de Ronda, de Vanzolini, em 1953 pela RCA Victor.

O maxixe Maricota Sai da Chuva, de Marcelo Tupinambá, também nunca havia sido gravado pela cantora de voz grave e imponente. Entre as outras dez faixas do disco estão A Voz do Violão, um dos maiores sucessos de Francisco Alves, duas músicas do dramaturgo Joracy Camargo – Guacyra e Leilão -, a inesquecível Modinha, letra de Heitor Villa-Lobos com música de Manuel Bandeira, mais duas músicas do pernambucano Lourenço Fonseca Barbosa, o Capiba – Cais do Porto e Ismália (esta última com letra do poeta Alphonsus de Guimarães), – a toada Roda Carreta, de Paulo Ruschel, Tamba-Tajá, do paraense Waldemar Henrique, a modinha Amo-te Muito, de João Chaves e a canção Maria Macambira, das irmãs Babi e Oradia de Oliveira.

Desdém

Com a autoridade de quem conhece o assunto (ela dá aulas e palestras sobre folclore brasileiro em escolas e universidades), Inezita desdenha o crepuscular sucesso da música “sertaneja” nos moldes de Zezé di Camargo & Luciano, Daniel e congêneres: “Chitãozinho & Xororó ainda tinham raízes sertanejas legítimas, mas essa música que está aí não tem nada a ver com a gente. Explodiu esse country como poderia ter explodido a música chinesa ou russa. Temos que olhar para dentro do Brasil, parar de ficar macaqueando o que vem de fora. Deixa eles fazerem o gênero deles, porque isso eles fazem melhor”, fulmina.

Embora reconheça a dificuldade de acesso do grande público à música popular de qualidade, Inezita não o isenta da responsabilidade: “Há um pouco de preguiça do público de pensar e estudar sobre o assunto. Parece que não estão nem aí, não ligam para nada. É mais fácil ligar a TV e ver o programa que está no ar, por pior que seja. A música foi retirada do currículo escolar, e está saindo da vida das pessoas. É uma tristeza ver jogador da seleção brasileira mascando chiclete enquanto balbucia um Hino Nacional sem letra. Não temos armas para brigar contra isso, mas estamos tentando”.

E da Trama, alguma reclamação? “Não tenho nada do que reclamar aqui. É uma grande gravadora, tudo funciona direitinho, acontece tudo o que está programado, e o trabalho de divulgação é maravilhoso. Esse disco foi muito bem tratado, se não vender bem sou eu que não presto”, arremata.

continua após a publicidade

continua após a publicidade