Quando olho para a Visconde de Guarapuava, lá em baixo, vejo e ouço o barulho aterrador do mal-educado e brutal trânsito, aliado aos "sons incrementados", instalados vaidosamente num bom número de automóveis, transformados em anti-culturais carros de som.
Nestes momentos, em desespero, não consigo crer que em algum lugar possam ainda existir sons normais e agradáveis.
Sei que o novo-rico precisa trombetear o seu novo-riquismo. Mas então, ao menos, que reduza um pouco os seus deci-débeis, a sua deci-debilidade.
Nas salas dos cinemas, nos restaurantes, na TV e na propaganda, em toda a parte reina agora o mesmo barulho alienado e torturador. Os barulhos ensurdecedores, causados pelos "progressos da tecnologia humana" e muitos também pela absoluta falta de educação mesmo, tornam hoje muito difícil "ouvir o silêncio". E há também o famigerado telefone celular, esse terrorista de bolso, que, inconveniente, parece sempre estar se metendo em todos os cantos e recantos.
Parecendo ser algo pesadamente concreto, este novo tipo de barulho não apenas fere os ouvidos e irrita os nervos, mas vai muito além com os seus danos. Causa um mal-estar indefinido ao organismo e como que náuseas no espírito.
A Era do Barulho e dos Surdos já começou. Você está ouvindo?
E a sensibilidade e a cultura não podem vicejar em meio a tais inços.
Pela lógica, normal e sadia, tanto o silêncio como os sons bons trazem o bem-estar e o enlevo ao espírito humano.
Ultimamente, todavia, tenho às vezes a sombria impressão que essas bênçãos sonoras foram banidas do mundo. Talvez tenham se refugiado no Silêncio dos Subterrâneos do Passado.
Os momentos de absoluto silêncio são imprescindíveis e benéficos equilibradores no dia- a-dia do ser humano ainda pensante.
Assim como a boa música e o bom canto não podem faltar para aquele cujo espírito disto necessita. Oh, insubstituíveis músicas e cantos tradicionais e puros! Que sabem trazer em si a alegria, a suavidade ou também a tristeza, mas sempre nas medidas exatas do perfeito equilíbrio. E para alcançar o clímax nesta perfeição, precisou o espírito humano de milhares de anos de evolução e refinamento musical.
Pode agora tudo isso ser brutalmente derrubado por esquisitas "inovações" musicais ou vocais?
Nestes momentos, lembro-me em dolorosa saudade, saudade de velhos tempos idos, quando eu ainda vivia lá no "Vale da Solidão"-Bituruna. Em meio as matas fechadas e intocadas. Ouvia-se apenas o sussurrar do vento nos taquarais e nas copas dos pinheiros, o murmurejar do Arroio Grande e o canto dos pássaros. Tudo formando uma suave sinfonia. A sede pela música humana era saciada por um rádio a pilhas, um velho toca-discos e duas dúzias de discos.
As estações de rádio daquela época ainda tocavam boas musicas, clássicas ou não. Isto foi há 30, 40 anos atrás. A natureza com sua orquestra sinfônica estava ainda de pé e também as pessoas eram mais naturais. Por isso as músicas e os cantos em nada se pareciam com certas barulheiras desengonçadas de hoje.
A bem da verdade, em meio a estas minhas palavras amargas, devo dizer que agora mesmo, na rua, em pleno pandemônio barulhento das seis da tarde, pude ouvir um pouco de musica clássica. Ainda que descaracterizada. Uma inesperada surpresa, porque partindo justo de um celular, essa praga que se espalhou pelo mundo mais do que a aids. De repente, disparou o celular no bolso de uma pessoa na rua, tocando triunfalmente uns acordes da Nona Sinfonia de Beethoven…
Porém os deuses sejam louvados! Além daquele fragmento mutilado de música clássica; um pedacinho de Beethoven saindo de um celular, ainda existem ilhas e bolsões de resistência, mantendo vivos os bons sons, a música e o canto.
Quantidade avassaladora continua não sendo necessariamente qualidade.
Sim, pese o massacre pelo barulho e as perspectivas desanimadoras, nem tudo está perdido no campo das grandes e verdadeiras artes.
Nem todos se deixam soterrar pela sinistra avalanche sonora.
Disto tivemos uma bela e reconfortante prova, na noite de 17 de dezembro último.
Aconteceu na Igreja do Bom Jesus, na Praça Rui Barbosa. Imponente e clássica, esta igreja foi o cenário ideal para uma apresentação musical natalina, também imponente e clássica.
Uma noite memorável que nos foi presenteada, um verdadeiro presente de Natal. E que apagou da alma de todos nós todos que almejamos a boa música, o bom canto, os efeitos deletérios dos maus ruídos que tivemos que suportar durante o ano todo.
Perfeita, excelente, foi aquela apresentação do Concerto de Natal. A execução primorosa ao órgão, as vozes das crianças do "Papo Coral Infantil", o canto seguro e impecável do já tradicional Madrigal Vocale. E a coroação sublime daquele encontro mágico: a presença da consagrada soprano conterrânea, Marília Vargas, de renome internacional, que nos brindou com o seu notável talento.
O grande público presente e os aplausos de genuíno entusiasmo provaram que para neutralizar as más lembranças sonoras do ano que finda, nada melhor do que este
Bom Concerto – Ivahy Detlev Will é da Academia de Letras do Vale Vale do Iguaçu União da Vitória
