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Para fotógrafo, Cuba experimenta renovação que ele tenta mostrar em imagens

O fotógrafo José Alberto Figueroa é filho da Revolução Cubana. Ou melhor, um órfão. Seus pais deixaram Cuba nos anos 1960, partindo para Miami como outros cubanos. Ele ficou. E não se arrependeu. Em 1964, aos 18 anos, entrou pela primeira vez no estúdio do mítico fotógrafo Alberto Korda, que, quatro anos depois, seria expropriado pelo governo cubano. Naquele momento, Figueroa não estudava nem trabalhava. Sua família, então, planejava ir embora para os EUA. E foi. Há na mostra um ‘recuerdo’ sentimental da despedida, duas mãos acenando em primeiro plano e a figura da mãe de Figueroa na pista do aeroporto.

Há outras mães na exposição. Uma das fotos mais reproduzidas de Figueroa mostra uma mulher negra sentada à beira de uma cascata artificial do Hotel Nacional, em Havana, enquanto crianças brincam com boias de caminhão na água e uma bandeira cubana tremula no topo. Trata-se, segundo a curadora, de uma boa metáfora sobre a mãe que espera eternamente seu filho, como a de Figueroa. Muitos cubanos pagaram com a vida a travessia para Miami, em barcos improvisados ou mesmo em boias como essa.

“Certo dia, estava passando pelo Malecón e vi aquelas pedras moldadas pela correnteza do mar em forma de cruzes”, conta Figueroa. “Pensei que elas simbolizavam todos aqueles ‘balseros’ mortos que tentaram sair de Cuba nos anos 1990 e, então, fiz a foto da praia”, diz, mostrando a impressionante imagem das cruzes enfileiradas na orla da capital cubana.

Esse olhar para a natureza como um acontecimento social é fruto de anos de treinamento como fotojornalista. Após o fechamento do estúdio de Korda, em 1968, cada um foi para um lado. Figueroa acabou trabalhando para a revista Cuba. Paralelamente ao trabalho jornalístico, ele registrou seus amigos e familiares, imagens que hoje são documentos históricos de como vivia a burguesia cubana nos anos 1960 antes de o Comitê para a Defesa da Revolução criado por Fidel Castro engrossar a vigilância de atividades contrarrevolucionárias e expropriar seus bens.

Figueroa trabalhou para a revista Cuba até 1976. Já era um homem de 30 anos, viajara pelo interior do país e fizera alguns trabalhos no exterior – essa história pessoal pode ser acompanhada pelo visitante na primeira seção da retrospectiva.

Na segunda seção, que cobre as décadas de 1980 e 1990, o fotógrafo acompanha a derrocada do regime socialista europeu e os efeitos da queda do muro de Berlim na economia de Cuba, até então mantida com recursos da ex-União Soviética. Uma foto na exposição tenta reproduzir o olhar do europeu do leste para o mundo ocidental: um buraco imenso no muro que separava as duas Alemanhas, através do qual se vê um carro de luxo no lado oeste de Berlim. “Essa foto foi feita antes da queda do muro”, conta Figueroa, que registra em outras da exposição como esse acontecimento histórico acabou afetando a economia cubana e a vida de seus compatriotas.

Um exemplo disso é a imagem de um menino solitário sentado num canto de Calle Figueroa em La Vibora. Outra é a da menina triste da Plaza Vieja, patrimônio cultural da humanidade, mas que ficou abandonada por muitos anos antes de voltar a ser uma atração turística com cafés e restaurantes. É o retrato vivo de um povo em eterna transição.

No terceiro bloco, que reúne imagens icônicas de Figueroa, com a representação de ídolos nacionais como José Martí e Che Guevara, o fotógrafo analisa a relação dos cubanos com a religião e o culto a essas figuras históricas. Para traduzir o conceito de idolatria da massa, Figueroa, que é bastante crítico sobre manipulação estatal, visitou uma fábrica e registrou uma de suas fotos mais difíceis.

“Estava fazendo um trabalho nessa fábrica e o administrador do lugar ficou intrigado com meu interesse pela megaprodução de bustos de José Martí, criador do Partido Revolucionário Cubano, um mártir adorado tanto pelos cubanos castristas como pelos exilados que vivem em Miami.” Desconfiado, o administrador não permitiu a foto. Figueroa, insistente, voltou mais tarde. O resultado está bem na porta da Caixa Cultural: é a foto que ilustra o cartaz da exposição.

“Meu pai sempre se preocupou com essa manipulação simbólica das imagens”, revela a curadora da mostra, Cristina Figueroa, que exerce a mesma função na Casa de las Américas, organização criada em 1959 para promover o intercâmbio cultural entre Cuba e demais países da América Latina. E não deve ser por acaso que, no último bloco da exposição, dedicado às primeiras experiências de Figueroa em cores, o irmão de Fidel Castro, Raúl Castro, apareça numa foto como um pôster encostado no canto de uma parede, como se já fizesse parte do passado.

O presente, mostra Figueroa, são garotas vestidas de legging com a bandeira americana estampada e carros antigos, chamados pelos cubanos de “almendrones” (cadillacs dos anos 1950), totalmente restaurados, resgatando um luxo pré-revolucionário.

“Creio que esse é um fenômeno ligado à força dos cubanos de se renovar e se adaptar aos novos tempos, analisa Figueroa, atribuindo à volta de muitos cubanos essa mudança de comportamento num país fortemente marcado pelo nacionalismo. Ele mesmo tem um filho e um neto que moram em Miami e que agora vê regularmente.

“Manter e estimular as relações com os EUA é fundamental neste momento para Cuba”, diz o fotógrafo, que prossegue em seu incansável projeto de retratar ruas que levem seu sobrenome ao redor do mundo.

UM AUTORRETRATO CUBANO

Caixa Cultural. Praça da Sé, 111, tel. 3221-4400. 3ª a dom., 9h/19h. Abertura nesta 3ª (9), 19h30, para convidados.

4ª (10), abre para o público. Grátis. Até 4/3.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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