Ziraldo conversa com o repórter pelo telefone. Pelo tom entusiasmado de voz, dá para perceber, do outro lado da linha, seus olhos brilhando. Ziraldo está reencontrando o seu tempo perdido. “César (Rodrigues) e André (Alves Pinto) conseguiram recriar o momento mágico. Quando a Paola Oliveira (a Professora Muito Maluquinha do filme) entra na sala de aula, a expressão nos olhos da criançada é a minha, a nossa, quando Cate entrou na sala de aula.”
Jeremias, o Bom, Supermãe. Ziraldo criou muitos personagens inesquecíveis, que marcaram e continuam marcando gerações de brasileiros, mas dois, levados ao cinema, se destacam. O “Menino Maluquinho” e a “Professora Muito Maluquinha”. O primeiro ganhou a tela num filme muito bonito de Helvécio Ratton e, depois, teve uma sequência assinada por Fernando Meirelles, na fase pré-“Cidade de Deus”. A “Professora” ganha agora uma versão caprichada. O filme é muito legal. Tem algo do francês “O Pequeno Nicolas”, de Laurent Thirard, adaptado das tiras de Sempé e Goscinny.
Talvez não seja bem um filme para crianças, mas sobre crianças. O diretor Rodrigues, de “High School Musical – O Desafio” (versão brasileira da franquia da Disney), concorda com isso, em termos. “Mostramos a Professora para plateias de crianças e elas têm gostado muito. Inclusive, foi uma experiência muito interessante. Vimos crianças chorando, porque o filme as confronta com a dor da perda, sem ser depressivo”, diz Rodrigues (e Alves Pinto concorda com ele).
Cinéfilo de carteirinha, Ziraldo tem muita gente da família que trabalha no cinema. Sempre que você vir um Alves Pinto, seja ator, diretor ou técnico, tem ramificações com a família. “Está no sangue”, ele brinca. Veio dele a ideia de que Paola Oliveira fizesse a personagem que criou. “A Paola é a própria encarnação da Cate que conheci e coloquei no livro. Com aquele guarda-roupa lindo, ela fica mais bela ainda.” E ele diz uma coisa muito sensível sobre o quarteto responsável pelo filme, os diretores Rodrigues e Alves Pinto, a atriz Paola e seu namorado, na arte como na vida, Joaquim Lopes, que faz o padre Juquinha. “Eles são todos doces e gente doce não faz filme amargo.” Paola é o encantamento. No filme, chama-se Martina. “Você não imagina o que foi a sensação que meus colegas e eu tivemos quando aquela professora entrou na sala de aula. As professoras eram todas mais velhas, sisudas. Ela era uma menininha.”
Tão forte foi o efeito no imaginário de Ziraldo que ele recriou a “Professora Muito Maluquinha” com açúcar, com afeto. “Inclusive o método pedagógico dela foi uma criação minha. Na realidade, a Professora Maluquinha só queria brincar com a gente. Ela fechava a porta da sala de aula e só queria ler sua literatura cor-de-rosa, jogar joguinhos. No livro, dei mais consistência pro método dela.”
A “Professora Muito Maluquinha” some no final, num gesto ousado que propõe uma espécie de retomada, ou revisão, do clássico “O Padre e a Moça”, de Joaquim Pedro de Andrade. Lembram-se? Adaptado do poema de Carlos Drummond de Andrade, “Negro Amor de Rendas Brancas”, o filme era sobre o jovem padre Paulo José que se envolve com a moça Helena Ignez. O filme antigo é em preto e branco – um poema de imagens de Mário Carneiro -, o desfecho é trágico. Esse novo ‘padre e a moça’ é mais luminoso. Assim como a Professora, Ziraldo também tomou liberdades com o Padre Juquinha. O da realidade voltou da Itália meio que simpatizante dos fascistas. A pegada, e o tom, do filme são outros. Um programa sob medida para antecipar o Dia das Crianças, na semana que vem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.