Palmas: paisagem e memória, de autoria de Nivaldo Krüger, é passeio mágico que se faz entre auroras e poentes de indiscutível beleza; descortinar do ontem das tradições e encontro com o hoje da modernidade; aprendizado de um cântico de paixão, no qual os campos de Palmas se convertem em encantamento poético; desfilar de antigas fazendas, lutas heróicas, rostos que, guardados em fotos, expressam a intensidade da vida e se incrustam na história do Brasil para dar-lhe o sentido de sua grandeza.
Bichos, pássaros, rios, paisagens deslumbrantes, toda a exuberância da natureza de Palmas fica capturada nas palavras e nas fotos de Nivaldo Krüger. Tudo vira história e obra de parte, imortaliza-se em pensamentos, cores e formas para legar memória, distribuir beleza, resguardar da passagem do tempo marcas, traços, pegadas que não poderiam se perder nas brumas do esquecimento.
Nessa obra admirável, feita com o intelecto privilegiado do autor e também com a sensibilidade de seu coração, ora o leitor se deslumbra diante das seqüências fotográficas, ora mergulha o espírito no turbilhão de emoções que Krüger extravasa em pura poesia ou prosa poética requintada.
De repente vê-se o Rio Dama a fluir por entre verdes esmeraldinos e pedras imemoriais. Rio que segue margeando vidas que por ele passaram e continuam a passar. E diante daquelas águas, como num devaneio, Nivaldo Kruger se detém para filosofar em forma de poesia:
“No rio as águas correm…
passam, passando sem parar.
mas o rio não vai.
fica como uma imensa poesia
lavrada nas rochas
pelas águas passageiras
que no eterno passar
fizeram o rio ficar”.
Cavalgando através do tempo, vai-se descendo pelo declive da existência. Afloram as velhas fazendas, monumentos calados que Nivaldo Krüger ressuscita pela imagem e pelo verbo para transformá-los em símbolos de “tenacidade, igualdade e solidariedade”, para revelar seu significado mais profundo, para ressaltar sonhos, segredos e esperanças que ficaram impressos nas paredes e nos alicerces daqueles – como disse o autor – “primitivos marcos de nossa nacionalidade”:
“Ah, quantas alegrias, quantos segredos, quantas aflições presenciastes, velhas paredes? Certamente foram tantas quantos foram os dias do seu tempo. Guardadas aí, no teu enigmático silêncio, ainda, os vagidos dos primeiros filhos desta terra, nascidos aqui, entre essas paredes. Nascidos daqueles homens determinados e daquelas mulheres heróicas que se amaram sob seu teto. Ah, velha fazenda, quedo-me reverente, pequeno diante da grandeza do teu significado, da solidez dos teus alicerces, a refletir sobre a efemeridade da vida humana, tão frágil, tão passageira. Quedo-me diante destes alicerces que ficaram, testificando visão ampla dos que te construíram, num fazer muito maior do que o simples anseio de possuir, natural no ser humano”.
Passa-se pelas antigas fazendas e, lá no fundo da estrada, sob a luz dourada da aurora, o historiador nos mostra um vulto que se afasta montado em seu cavalo. Lá vai ele, longo poncho sob as costas, característico chapéu do sul, que o resguardam do frio da manhã. É a figura lendária do tropeiro que, como ensina o Krüger “teve participação decisiva em episódios de nossa história, como a Revolução Farroupilha e a Guerra do Paraguai”. Tropeirismo, lição histórica a ser contada:
“Seus caminhos se tornaram definitivos. A intensa movimentação fez nascer fazendas, vilas e cidades, que asseguraram a posse brasileira sobre essas terras, disputadas pelos espanhóis. Ao contrário dos bandeirantes, que buscavam minas e índios para escravizar, os tropeiros, com suas tropas de gado, de mulas xucras, de mulas arreadas e de porcos, criaram riquezas, fixaram o homem no campo, disseminaram cultura. Foram os verdadeiros agentes da civilização luso-brasileira”.
De página em página, pode-se sentir, de quando em vez, o vento sul. O frio pede fogueira e chimarrão. O fogo no chão clareia magicamente as etnias que se amalgamaram para gerar os vários tipos que povoam o País-continente chamado Brasil.
Vê-se a nação caingangue deslizando pela floresta sob a proteção de seus antepassados. Aqui e ali rostos negros, a relembrar que em Palmas, por estímulo da Igreja, alforrias voluntárias eram concedidas “quando o senhor ou a senhora agonizavam, como forma de praticar filantropia e alcançar o céu. Portugueses, aqueles bandeirantes conquistadores a romper limites geográficos e políticos, perpassam em reminiscências fortes. Europeus de olhos azuis e cabelos de trigal passeiam em líricas recordações. Apresentam-se faces onde a mistura de traços fazem do brasileiro o tipo acabado de uma democracia étnica.
Prossegue a história. Ao longe ecoa o toque de um sino, o murmurar de uma prece, o reconfortante interior da igreja, o ruído de passos na procissão. Na gruta, Nossa Senhora de Lourdes abençoa os palmenses. Como assevera Nivaldo Krüger: “A história de Palmas e do Sudoeste se confunde com a história da Igreja, pois são como ouro do mesmo cadinho, cujo valor, talvez, só as gerações futuras poderão aquilatar”.
Em versos e prosa o escritor canta e conta Palmas, demonstrando sua paixão telúrica. Ele é capaz de conduzir a tropa de leitores por entre personagens, fatos e acontecimentos. E depois de caminhar pelos campos, chega à Palmas urbana, descrita como “ente simpático, que logo nos primeiros contatos nos coloca à vontade”.
A cidade de gente acolhedora, que prosperou com a pecuária, continua a florescer através da agricultura industrial, da fruticultura, do complexo madeireiro, da indústria papeleira, da piscicultura, da evolução da indústria ervateira.
Comércio à altura das necessidades dos consumidores, hotéis e pousadas acolhedoras, bons restaurantes, excelentes serviços de saúde, a usina eólica “gerando energia a partir de fonte limpa”, ensino de qualidade. Essa é Palmas que encanta o historiador Nivaldo Krüger e a quantos nela vivem ou apenas a conhecem de passagem.
Há, porém, algo mais nessa obra, um toque especial. É que o autor foi capaz de ver tudo, como ele mesmo diz “com o encantamento das paixões arrebatadoras”. Paixão pela natureza, pelo Brasil, pelo Paraná, por Palmas, enfim, por sua gente. Por conta disso, Nivaldo Krüger transmite nessas belas páginas um entusiasmo e uma vibração que contagiam a todos aqueles que têm o privilégio de acompanhá-lo numa história apaixonante.
Mais do que história, há também em Palmas: paisagem e memória, um modo de filosofar que traduz a esperança contida na renovação da vida. E isso é ressaltado quando Nivaldo Krüger refere-se ao nascer do sol com quem faz uma oração: a oração do amanhecer:
“É a pompa da majestosa natureza, em eternos mas fugazes momentos, a brindar-nos com luz, calor, energia. Madrugada é anúncio luminoso de vida nascente. De um clarão divino, luminosa nasce a aurora, despertando a dormência das sementes. Fazendo searas fartas. Rebanhos férteis. Perfumando flores. Fazendo doces frutos. Regendo a imensa sinfonia universal da vida. Germinando novos sonhos e refazendo a esperança no espírito dos homens”.
Ao terminar a leitura dessa obra magistral, imaginariamente sentei-me junto a um pinheiro, observei a vastidão da campanha que se estendia diante de meus olhos e repeti as palavras, cujos vôos vão muito além do que pode alcançar a gralha azul, pois dizem respeito a eternidade:
“Sim, um novo dia, milagrosamente nascido da velhice do tempo. Desse tempo sem conta, nascido nos recônditos misteriosos da criação. De um tempo que caminha há milhões de anos, mas sempre traz novo dia”.
Serviço:
Palmas: paisagem e memória, de autoria de Nivaldo Krüger
Lançamento: dia 3 de julho de 2003
Biblioteca Pública do Paraná
Maria Lucia Victor Barbosa
é professora, escritora, articulista, membro da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina.