Quando se mudou para o Vale do Silício com a namorada em 1987, Mike Judge tinha 25 anos, um diploma em física e muitos ideais. Bastou ele entrar para uma startup, que, em apenas dois meses e meio, viu seus ideais serem destruídos um a um. Ainda bem. Foi graças a essa experiência traumática na empresa iniciante de tecnologia que ele acabaria virando músico. E, depois, compraria a câmera de 16 mm com que faria os curtas de animação que deram origem a Beavis e Butt-head, em 1992.
A experiência (que renderia também para outras cultuadas animações dos anos 1990, como a vencedora do Emmy O Rei do Pedaço) contou para construir agora para Silicon Valley, promissora comédia que o HBO exibe às segundas-feiras, às 22h30 (disponível no site sob demanda www.hbogo.com.br), e cujo lançamento foi eclipsado pelos retornos de Game of Thrones e Mad Men.
Judge sempre gostou de fazer graça com seus ex-companheiros, dizendo que eles faziam parte de um culto, mas que ninguém sabia em que acreditava. É justamente essa a piada recorrente que colocou na série, que gira ao redor de Richard Hendriks (Thomas Middleditch), um jovem programador que trabalha na empresa mais descolada da internet (uma clara referência ao Google) e mora numa incubadora com colegas nerds que desenvolvem aplicativos.
Nesse contexto, Hendriks deveria estar no topo do mundo. Deveria, mas não está. Ele enxerga as falsas filosofias desse mundo “.com” em que todos são felizes, descolados e bem-sucedidos. É aqui que Judge se entrega a seu sarcasmo sempre sagaz, ao satirizar a supervalorização dos programadores e criadores de aplicativos, que nos Estados Unidos são como celebridades, com direito até a assistentes e empresários.
Hendriks rejeita isso tudo, e só pensa em desenvolver uma espécie de rede social de música à qual ninguém dá muita atenção. Ele deveria focar, dizem, em algo realmente revolucionário, como seu colega que lançou um localizador de mulheres. O que não se esperava é que o moço tropeçasse num achado que pode revolucionar a economia mundial: um algoritmo superveloz para a compressão de arquivos. Eis o seu dilema: vender seu achado àqueles que despreza e ficar rico na hora ou seguir com ele e reconstruir com as próprias mãos o Vale do Silício?
Mais do que tudo, o que a série retrata é uma geração desiludida com o conhecimento e inebriada pelo virtual. Um desses pseudovisionários, por exemplo, dá palestras pregando que os jovens deixem a faculdade e construam seus caminhos. A única cultura a ser retida é a tecnológica, pois tudo é mais brilhante do lado de lá da internet.
Sempre em tom de autocomiseração, o protagonista desconstrói essa visão de mundo e os homens que ajudaram a construí-la, como Steve Jobs, o cofundador da Apple (“Ele era uma farsa, nem sabia escrever código”), sem deixar barato para aqueles que a consomem sem muito senso crítico.
Aqui, multiplicam-se referências nerds e cults, mas a grande sabedoria da produção é traduzir esse universo para o espectador leigo sem esquecer aqueles que o vivem em seu dia a dia, como os personagens. São incontáveis as referências a e as piadas internas com a engenharia da programação, a cultura nerd, e o mundo virtual. Mas não é preciso ser especialista em nada disso para rir com eles.
Nesse sentido, Judge mostra ser um nome a ser observado de perto: a série pouco lembra o humor juvenil e por vezes escatológico dos irmãos adolescentes de Beavis and Butt-head. Nada disso. Silicon Valley traz um humor mais próximo de seu clássico cult Como Enlouquecer Seu Chefe e, por isso, é uma das melhores comédias da safra atual. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.