O padre José de Anchieta, fundador da cidade de São Paulo, criou, em 24 de março de 1582, a Santa Casa de Misercórdia do Rio de Janeiro. Registrou Anchieta a respeito: em todas as capitanias, há Casas de Misercórdia, que servem de hospitais edificados e sustentados pelos moradores da terra, com muita devoção, em que se dão esmolas e se casam muitas órfãs, curam os enfermos de toda sorte e fazem outras obras pias, conforme seu instituto e as possibilidades de cada uma e manda o regimento delas nos principais da terra.
Ratificando o testemunho de Anchieta, o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, na sua estupenda História Geral do Brasil, conta: Os pobres encontravam lá, em algumas povoações, no século XVI, a fim não só de recolher os peregrinos, como as antigas albergarias, mas de curar os enfermos, de enterrar os mortos, de educar e dotar as desvalidas órfãs e de praticar as obras de misercórdia. Pelo que o estabelecimento onde em cada povoação isso era adotado, chamou-se Santa Casa de Misercórdia, ou, simplesmente, Misercórdia ou Santa Casa, como entre nós se diz muito.
Os capitães-mores, portanto, na verdade procuradores dos mandantes portugueses, isto é, da Casa Real Portuguesa, eram instruídos a comportar-se para disseminar essas instituições de caridade. Esse comportamento permaneceu durante a presença de Dom João VI e dos imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II.
Durante todo o período do Brasil como colônia de Portugal, as irmandades das Santas Casas de Misericórdia estiveram sob a proteção real e seus compromissos. Quando se instalavam, exigiam obediência ao modelo da Santa Casa de Lisboa, com seu estatuto sujeito à provação mediante alvarás régios.
Com o Brasil independente, os imperadores foram quem exerciam o poder dessas aprovações, o que estava definido em lei. Ato adicional, no entanto, determinou a transferência de tais prerrogativas às Assembléias Legislativas Provinciais, que passaram a fiscalizar a contabilidade dessas instituições.
Curioso em tudo isso é que o Brasil, disciplinado pelas Ordenações Filipinas, praticava o sistema do municipalismo, que proporcionava às vilas e pequenas cidades, muitas vezes até simples núcleos, as posturas de administração local. Os Conselhos Municipais e as Santas Casas exerciam papéis políticos e administrativos, reunindo os estratos sociais que representaram toda a evolução social, política, econômica, cultural e religiosa do País.
A partir do século XVI, então, nasceram as Santas Casas de Olinda, em 1539; de Santos, em 1543; Salvador, em 1549; Rio de Janeiro, em 1567; Vitória, em 1551; São Paulo, 1599; no século XVII, foram criadas as Santas Casas de João Pessoa, em 1602; Belém, 1619; São Luiz do Maranhão, 1657; no século XVII, apenas a de Campos dos Goitacazes, em 1792; e no século XIX, Resende, 1835; Paranaguá, 1835 também, e Curitiba, em 1852, precisamente, no dia 9 de junho, hoje integrada à Aliança Saúde da PUCPR; Manaus, em 1853; Recife, em 1858, e Jaú, em 1893. No século XX, mais 21 Santas Casas foram fundadas somente no Paraná.
Valério Hoerner Júnior é professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e pertence à Academia Paranaense de Letras.