E a América Latina continuou brilhando intensamente na 65ª Berlinale. Depois do guatemalteco Ixcanul/Vulcão no sábado e El Botón de Nácar, de Patricio Guzmán no domingo – o melhor filme do festival que inicia nesta terça-feira, 10, seu sexto dia -, outro chileno, Pablo Larraín, fez sensação com El Club, exibido nessa segunda, 9. Larraín é o diretor de No. Ele volta com seu ator fetiche, Alfredo Castro, propondo o mais virulento ataque à Igreja Católica produzido pelo cinema em anos recentes. Mas Lareraín, na coletivas, deixou claro que não vê seu filme como uma denúncia. Os fatos de que trata não são exatamente novidade. Berthold Brecht dizia que todas as histórias já foram contadas. A questão é como recontá-las.
O próprio conceito do ‘clube’, contido no título, provoca desconcerto. El Club/O Clube começa com uma corrida de cães. Logo em seguida, sabemos alguma coisa sobre o grupo que celebra a vitória. São padres (quatro) e uma freira que vivem numa casa isolada, junto ao mar. O oceano está sendo o grande personagem desse festival, presente nos filmes de Guzmán, de Terrence Malick, de Larraín.
Chega um novo personagem e há uma ação brutal que escancara a terrível realidade para o espectador. Esses padres e freira são um estorvo para a Igreja. Eles praticaram pedofilia, foram cúmplices da ditadura e agora vêm esse homem que foi abusado na infância e grita suas verdades na porta da casa. Vira um incômodo, precisa ser silenciado.
Há um investigador da própria Igreja, um homem a quem os padres fazem acusações. Mas ele é íntegro e o único que parece movido por compaixão pelo infeliz abusado. Nem por isso deixa de viver dilacerado, pois não quer destruir a Santa Madre Igreja. Larraín contou que estudou num colégio católico. Conheceu bons religiosos, mas também sempre soube dos desgarrados, daqueles contra os quais, desde crianças, tinha de estar atento.
A história parecia-lhe boa. É forte. A Igreja não crê na Justiça dos homens, mas e a de Deus? Não basta deixar criminosos, pois são criminosos, somente com sua consciência, que alguns nem têm. Ao padre que foi colaboracionista, o inquisidor da nova Igreja pergunta se se sente culpado, ou criminoso. Não tem resposta.
Da Polônia, também veio um filme que lida com religião, e consciência, mas de um outro teor. Body/Corpo, de Malgorzata Szumowaka, mostra um inspetor de polícia confrontado com a violência do mundo. Em casa, não tem diálogo com a filha. A garota tenta se matar. Vai para uma clínica, onde tem apoio de uma psicoterapeuta. A mulher é médium, serve de intermediária na comunicação com os mortos. Em seu gabinete, há umas foto de Chico Xavier e ela fala do espiritismo no Brasil em números grandiosos, cita Divaldo Franco. A solução desses drama não vem pela intervenção do sobrenatural, pelo contrário, mas Corpo desconcerta sem fascinar. Não é nenhuma Ida, o concorrente polonês no Oscar.
Pattinson agita
Fora de concurso, em Berlinale Special, o festival mostrou um filme muito interessante, Life, de Anton Corbjin, sobre o fotógrafo que fez para a revista que dá título ao filme, muito popular na América dos anos 1950, uma série de fotos de James Dean.
A par das qualidades que o filme tem, o fato de o fotógrafo ser interpretado por Robert Pattinson, e de ele ter vindo para a coletiva, movimentaram a segunda-feira berlinense. E houve, claro, no domingo à noite, o novo Terrence Malick. Novo? Knight of Cups se assemelha maios a um novo galho da Árvore da Vida, do diretor.
Christian Bale faz uma celebridade de Hollywood, um roteirista em crise. Como sempre, o diretor prescinde de diálogos, cria belas imagens e transfere o pathos para a narração. Tudo se passa à beira-mar. O oceano de novo, que Malick contrapõe a piscinas. É um diretor (autor?) que critica a civilização da imagem por meio da imagem. Estetiza a angústia. Não deixa de ser outra história da água, mas a de Patricio Guzmán é muito melhor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.